(segunda edição), todas as restrições se resumem ao fato de que Benda aponta como
“traição” a militância em qualquer partido que seja. É alvo então da crítica
existencialista, pois estaria frontalmente contrário a todo “engajamento”. (p.111)
No prefácio à edição de 1946, Benda se defende dos ataques à sua obra,
justificando sua atualidade, pois, logo após a Segunda Guerra Mundial, alguns “clercs”
teriam deixado de lado sua função de defender os valores eternos e desinteressados,
colaborando com a ocupação nazista e traindo expressamente sua pátria ao estabelecer
uma “campagne contre la démocratie au nom de l’ordre” (BENDA, 2003, p. 7). Sartre
refutaria veementemente as afirmações de Benda, afirmando que o escritor deve ser
“engagé” e que toda palavra é “action”.
Mário de Andrade indica ter lido a obra de Julien Benda, na crônica
“Mesquinhez”, escrita em 1929, ou seja, dois anos após a publicação de
La Trahison
des clercs
na França:
Quando Julien Benda estabeleceu no livro brulhento dele, a condição de clerc, ele não
esqueceu de especificar bem que a contemplatividade do intelectual às direitas, não
impedia este de se manifestar a respeito dos movimentos políticos e tomar parte neles.
(p. 131)
A leitura do livro de Benda indica que Mário de Andrade não citou
especificamente nenhuma passagem da obra polêmica, mas resumiu as ideias principais
do escritor francês, para quem “clerc” é aquele que escreve e fala, os formadores da
opinião pública, inclusive romancistas e dramaturgos, “dont la fonction est de peindre
d’une manière aussi objective que possible les mouvements de l’âme humaine et leurs
conflits” (BENDA, 2003, p. 145)
O crítico afirma que o “clerc” deve repudiar todas as proclamações patrióticas,
políticas, religiosas e morais, na busca por valores absolutos. Se o artista se colocar a
serviço de uma nação ou de uma classe, se ele se tornar utilitário, o mundo perderá seu
valor. O filósofo admite uma exceção e esta é a passagem que mais se assemelha ao
trecho citado por Mário de Andrade em sua crônica:
Enfin je voudrais encore préciser ma pensée sur un point et dire que le clerc ne me
paraît manquer à sa fonction en descendant sur la place publique que s’il y descend,
comme ceux que j’ai nommés, pour y faire triompher une passion réaliste de classe, de
race ou de nation. (p.128)