mundo aberto de Galileu, de muitas línguas que se iluminam umas às outras."(Bakhtin,
1998, p. 382)
Segundo Bakthin, "todos esses processos de mudança e renovação da língua
nacional refletidos pelo romance não apresentam um caráter linguístico-abstrato: eles
são inseparáveis do conflito social e ideológico, do processo de formação e renovação
da sociedade e do povo. (...) O mito de uma só língua e o de uma língua única perecem
ao mesmo tempo."(1998, p. 384). Nesta época, uma percepção da diferença entre
línguas específicas se fez sentir de maneira tão intensa que criou toda uma nova atitude
frente à atividade da linguagem. Esta condição poliglota veio acompanhada de um novo
senso de diferença entre os vários estratos discursivos no interior de uma língua
nacional, a condição que Bakhtin denominou ‘heteroglossia’:
Cada época histórica da vida ideológica e verbal, cada geração, em cada uma de suas
camadas sociais, tem a sua linguagem: ademais, cada idade tem sua linguagem, seu
vocabulário, seu sistema de acentos específicos, os quais, por sua vez, variam em
função da camada social, do estabelecimento de ensino (a linguagem do cadete, do
ginasiano, do realista, são linguagens diferentes) e de outros fatores de estratificação.
(...) Enfim, em cada momento dado coexistem línguas de diversas épocas e períodos da
vida sócio- ideológica. Existem até mesmo linguagens dos dias: com efeito, o dia sócio-
ideológico e político de "ontem" e o de hoje não têm a mesma linguagem comum; cada
dia tem a sua conjuntura sócio- ideológica e semântica, seu vocabulário, seu sistema de
acentos, seu slogan, seus insultos e suas lisonjas (1998, p. 98).
Para Bakhtin, o romance é a expressão da consciência galileana da linguagem,
que rejeitou o absolutismo de uma língua só e única, reconhecendo a pluralidade de
línguas nacionais e sociais. Segundo ele, é com o romance (na literatura) que vai ser
possível o plurilinguismo aparecer, quando as linguagens se correlacionam
dialogicamente e começam a existir umas para as outras, como se fossem réplicas de um
diálogo. A linguagem literária, assim, torna-se um diálogo de linguagens que se
conhecem e se compreendem umas às outras. Trata-se de uma revolução muito
importante e substancialmente radical nos destinos do discurso humano: é a libertação
fundamental das intenções semânticos-culturais e expressivas do poder de uma língua
única e só e, consequentemente, trata-se também da perda da percepção da língua como
um mito, como uma forma absoluta de pensamento.
Essa mudança no modo de conceber a linguagem não está restrita ao gênero do
romance, mas a todas as outras esferas da atividade verbal, seja na conversação
cotidiana, seja em qualquer outra esfera sociocultural (artística, científica, filosófica,