Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 580

Em contrapartida, o dialogismo tem como fundamento de toda a existência o
‘outro’ e o diálogo como uma constante troca entre o que já é e o que não é ainda. O
intercâmbio contínuo entre o ‘eu’ e o ‘não-eu-em mim’, ou seja, as outras vozes que
vivem em mim, é uma atividade da consciência humana. O
self
bakhtiniano nunca é
sozinho, nunca está completo, uma vez que só pode existir dialogicamente. Não é uma
essência ou substância por direito próprio; existe apenas num relacionamento tenso com
o outro, ou com os outros.
Desse modo, a consciência não está centrada no agente, como no monologismo,
em que "até mesmo onde a questão gira em torno de uma coletividade, da diversidade
de forças criadoras, a unidade é ilustrada pela imagem de
uma
(grifo nosso)
consciência:
do espírito da nação, do espírito do povo, do espírito da história, etc."(Bakhtin, 1981, p.
68).
No monologismo, as interpretações e avaliações do autor dominam todas as
demais e constituem-se num todo compacto e preciso. Qualquer intensificação das
entonações do outro em um ou em outro discurso é apenas um jogo que o autor se
permite para em seguida dar uma ressonância mais enérgica ao seu próprio discurso:
“Qualquer discussão entre duas vozes num discurso com o intuito de assenhorar-se dele,
de dominá-lo é resolvida antecipadamente, sendo apenas uma discussão aparente. Cedo
ou tarde, todas as interpretações pluri-significativas do autor se incorporarão a um
centro do discurso e a uma consciência, todos os acentos, a uma voz" (Bakhtin, 1981, p.
177).
Por sua vez, a orientação dialógica do discurso é completamente diferente, uma
vez que o ‘outro’ do discurso está sempre presente, não como receptor passivo, mas
como aquele que compreende e responde. "O discurso sente tensamente ao seu lado o
discurso do outro falando do mesmo objeto e a sensação da presença deste discurso lhe
determina a estrutura." Esse dialogismo velado é assim descrito por Bakhtin:
Imaginemos um diálogo entre duas pessoas no qual foram suprimidas as réplicas do
segundo interlocutor, mas de tal forma que o sentido geral não tenha sofrido qualquer
perturbação. O segundo interlocutor é invisível, suas palavras estão ausentes mas
deixam profundos vestígios que determinam todas as palavras ausentes do primeiro
interlocutor. Percebemos que esse diálogo, embora só um fale, é um diálogo sumamente
tenso, pois cada uma das palavras presentes responde e reage com todas as suas fibras
ao interlocutor invisível, sugerindo fora de si, além dos seus limites, a palavra não
pronunciada do outro (1981, p. 171).
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