Conforme pensei em Diadorim. Só pensava era nele. Um joão-congo cantou.
Eu queria
morrer pensando em meu amigo Diadorim
, mano-oh-mão, que estava na Serra do Pau-
d´Arco, quase na divisa baiana, com nossa outra metade de sôcandelários... Com meu
amigo Diadorim me abraçava, sentimento meu ia-voava reto para ele... Ai, arre, mas:
que esta minha boca não tem ordem nenhuma. Estou contando fora, coisas
divagadas.”(p. 19)
2
Em outro momento, já declara seu amor pelo companheiro jagunço:
De mim, pessoa,
vivo para minha mulher
, que tudo modo-melhor merece, e para a
devoção. Bem-querer de minha mulher foi que me auxiliou, rezas dela, graças.
Amor
vem de amor
. Digo.
Em Diadorim penso também – mas Diadorim é a minha neblina
...
(p.22)
Nessa interessante referência ao momento da enunciação, Riobaldo entrecruza
enunciados e, ao falar da esposa, fala de Diadorim. Isso ocorre porque, ao recorrer a um
clichê (“amor vem de amor”), corrige-o com um retificador (“digo”), para incluir
Diadorim nesse contexto amoroso: “Em Diadorim penso
também
...”. O operador
“mas”, no entanto, apresenta o que se configurará um problema para o relacionamento
amoroso: “Diadorim é minha neblina”. Ora, neblina pode ser considerado, nesse espaço
cenográfico (o sertão, os jagunços vizinhos, a conversa entre dois interlocutores de nível
diferenciado), algo que impede a visão completa da realidade vivida.
Diadorim é construído como um ser sensível, apreciador dos elementos da
natureza e mestre de Riobaldo nesse particular; muito bonito e cuidador do
companheiro, como se correspondesse ao estereótipo de mulher, que gosta de flores e de
pássaros, que lava a roupa do amante/marido, que se preocupa mais com a higiene do
corpo... Ao mesmo tempo, Riobaldo se envergonha dessa situação:
Quem me ensinou a apreciar essas as belezas sem dono [da natureza] foi Diadorim...[...]
Por esses longes todos eu passei, com pessoa minha no meu lado, a gente se querendo
bem. O senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é saudade?
Diz-se que tem saudade de
idéia e saudade de coração...
Ah. Diz-se que o Governo está mandando abrir boa
estrada rodageira, de Pirapora a Paracatu, por aí...
Interessante observar o movimento discursivo de Riobaldo: depois de falar em
saudades – cujo objeto já é conhecido do interlocutor – dispõe sobre os tipos de
saudades, mas não diz qual delas é a de que sofre. Ao contrário, muda bruscamente de
2
Todos os exemplos serão retirados de J.G. Rosa.
Grande sertão: veredas
. 12ed. Rio de Janeiro:
J.Olympio, 1978. Os grifos são nossos.