ASTÚCIAS NARRATIVAS: a construção de Diadorim pelo narrador Riobaldo,
em Grande sertão: veredas.
Jeane Mari Sant’ Anna SPERA
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Resumo -
O romance
Grande sertão: veredas
começa com discurso direto (“- Nonada.
Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja.”), que reproduz a
voz do narrador e instaura a interlocução entre Riobaldo e seu visitante, cuja voz é
apenas entreouvida no discurso do narrador. Trata-se, portanto, de uma interlocução
semi-explícita que se evidencia na instância da enunciação, onde se podem detectar
elementos linguísticos denunciadores das estratégias argumentativas usadas pelo
narrador para envolver seu interlocutor/leitor e fazê-lo cúmplice de suas dúvidas e
angústias. É assim que Riobaldo consegue manter o leitor cativo, ávido pelo desfecho
da sua paixão pelo companheiro jagunço Diadorim, um amor proibido no sertão
moralista e violento. É propósito deste trabalho acompanhar a trajetória do discurso
riobaldiano, desde sua primeira referência a Diadorim até a morte deste, quando o
narrador enfim descobre tratar-se de uma mulher travestida de jagunço – e a chama de
“Meu amor!”, porque “não sabia por que nome chamar”.
PALAVRAS-CHAVE: Enunciação; Estratégias discursivas; cena enunciativa;
ethos
; Guimarães Rosa
Introdução
A singularidade de
Grande sertão: veredas
, de João Guimarães Rosa, concentra-
se, em grande parte, nas duas vias de tensão que se entrecruzam na obra: a relação
homoerótica entre o enunciador jagunço Riobaldo e seu amigo Diadorim e a existência
de um pacto feito pelo mesmo enunciador e o diabo, a fim de “fechar o corpo” do
jagunço. Em ambos os casos, ressoa no discurso a indefinição, uma vez que a real
natureza de Diadorim não deve ser revelada antecipadamente ao coenunciador, e a
realidade do pacto é constantemente posta em dúvida no discurso de Riobaldo.
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UNESP – Assis.