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língua hegemônica para conseguir manter contato com o restante da população. Darcy
Ribeiro apresenta, em seu livro
O Povo brasileiro
, um cronograma do que ocorreu com as
populações indígenas, hoje brasileiros, durante a colonização:
[...] com a destruição das bases da vida social indígena, a negação de todos
os seus valores, o despojo, o cativeiro, muitíssimos índios deitavam em
suas redes e se deixavam morrer, como só eles têm o poder de fazer.
Morriam de tristeza, certos de que todo o futuro possível seria a negação
mais horrível do passado, uma vida indigna de ser vivida por gente
verdadeira. (RIBEIRO, 1995, p. 43).
Essa afirmação promulga a noção do que hoje percebemos nas aldeias e também
expressa na canção “A vida que eu levo”
,
nos versos que trazem o passado: “O homem
branco traz doença / Dizimou nosso povo / causou nossa miséria” (BRÔ MC's, 2009), e o
presente: “você e sua cachaça mandam muitos para o cemitério” (BRÔ MC's, 2009). O
suicídio, o assassinato, a morte dos indígenas não é um problema novo, trata-se de uma
recorrência na história, uma recorrência propiciada pela colonialidade do poder e do saber
ainda hoje perpetrados pelos discursos acadêmicos hegemônicos. O índio é morto há
muitos séculos não apenas pela possível (não) aceitação da hegemonia, mas também por
ter que negar o seu passado e o seu porvir, negando, ou não, a sua cultura.
Entretanto, apesar de alguns discursos se fazerem presentes e insistentes hoje,
deve-se reiterar que o contexto social, econômico e principalmente o cultural atravessaram
caminhos outros e, portanto, adquiriram uma percepção extremamente diferente que há 500
anos, visto que “representa a construção de um novo espaço epistemológico incorporando e
negociando o conhecimento indígena e ocidental” (WALSH, 2007, p. 50)
8
. Além disso, a
população indígena foi e continua sendo marginalizada e segregada, como diz Walter
Mignolo em
Histórias Locais / Projetos Globais
: “Ninguém é excluído porque ele ou ela é
pobre. Empobrece porque foi excluído” (MIGNOLO, 2003, p. 244).
Tendo em vista o exposto acima, pensa-se e questiona-se por onde os “avanços” da
modernidade caminharam, tendo em vista a ainda subalternização da população periférica e
indígena; se essas ascensões da sociedade levaram toda a população à conseguir ou a
obter meios para alcançar o que antes não seria possível, como na comunicação, e mesmo
assim o indígena sobrevive em condições sub-humanas. Perguntamo-nos se estes
caminhos foram fáceis, ou possuíam pedras ou teceram “teias” (para remeter a letra de
“Terra vermelha”) escusas; contudo, a razão desta discussão não é dizer ou desdizer sobre
essas estranhas suspeitas, mas, sim, desmistificar os saberes da academia e deslindar
epistemologias outras, a fim de que se tratem outras culturas, considerando toda sua
inerência cultural, local, fronteiriça e indígena.
8
Original: “representa la construcción de un nuevo espacio espitemológico que incorpora y negocia los conocimientos indígenas
y occidentales”. (Tradução nossa).