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Geração após geração, a sociedade é acostumada a entender e inconscientemente
absorver que o indígena não pode realizar outro trabalho a não ser o manual, no campo,
sendo, em grande maioria, excluído de outras formas de sobrevivência, ou até do campo
intelectual. Trata-se, aqui, de um exemplo para a discussão crítica necessária na
descolonização dos saberes. Há um eco de ideias, noções e pensamentos resultado de
constantes anos de colonização, mesmo após a instauração da democracia, não apenas
dos indígenas, mas também dos saberes.
Por mais que a transculturação e a mestiçagem de toda a população, sem excluir a
indígena, façam parte da identidade brasileira, o preconceito e o racismo são cicatrizes no
pensamento que emerge do imaginário das pessoas desse lócus enunciativo. Walter
Mignolo, no
Livro Histórias Locais/Projetos Globais,
afirma que o preconceito domina sem
querer generalizar. Entretanto, esse comportamento paira todo o pensamento do sistema
mundial, resultando numa sabotagem cultural das manifestações locais periféricas, e,
consequentemente, da indígena, da produção musical do grupo Brô MC's. Esses jovens
estão passando, então, por um processo de aculturação? No livro
Me llamo Rigoberta
Menchú y así me nació la conciencia
, Elizabeth Burgos diz que:
Aculturação é o mecanismo próprio de todas as culturas, todas as culturas
vivem em estado de aculturação. No entanto, a aculturação é uma coisa e a
imposição de uma cultura sobre a outra, a fim de aniquilar, agora é muito
diferente. (BURGOS, 2007, p. 15)
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.
Nessa passagem, Burgos ressalta que Rigoberta passa por um processo de
aculturação; entretanto, Walter Mignolo delimita e explica o que vem a ser o processo de
aculturação e por que a utilização desse conceito não supri a discussão com relação as
produções culturais latinas, e, portanto, para perfazer e preencher esse discurso é
necessário que tomemos a transculturação “enquanto
aculturação
apontava para mudanças
culturais numa única direção, o corretivo
transculturação
visava chamar a atenção para os
processos complexos e multidirecionais da transformação cultural” (MIGNOLO, 2003, p.
233). O processo de
aculturação,
erroneamente
promulgado pela academia, não compõe o
imaginário crítico e epistemológico da sobrevida cultural latina e indígena. Não se trata de
um aniquilamento cultural, mas um fazer cultural local, que parte de suas especificidades
locais para o global, e não o contrário. Prova disso é esse fazer cultural local transcultural,
por meio do qual o grupo Brô MC’s compôs suas letras. Acreditamos, ainda, que a
população indígena realmente esteja vivendo esse processo de interação cultural, de
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Original: “La aculturación es el mecanismo propio d toda cultura; todas las culturas viven en estado de aculturación. Sin
embargo, la aculturación es una cosa y la imposición de una cultura sobre otra, con objetivo de aniquilarla, ora muy distinta”.
(Tradução nossa)