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carpinteiros, que eram sempre bons para uma briga, quando os tipógrafos,
divididos por ‘habilitações’ [a
casse
e a
presse
], visitavam as tavernas no
campo aos domingos. Entrando num desses ‘setores’ [
as ocupações
],
Jerome assimilou um
ethos
. Identificou-se com uma arte; e, como
compositor assalariado, em sua plena condição, recebeu um novo nome.
Tendo cumprido, na plenitude, um rito de passagem, no sentido
antropológico da expressão, ele se tornou um
Monsieur
. (DARNTON, 1986,
p. 120, grifos nossos).
Na Bahia de fins do século XIX e início do XX, os tipógrafos, para além da
necessidade primordial de associar-se no intuito de fortalecer a “classe”, também buscavam
reforçar as prerrogativas outrora perdidas ou em vias de dissolução. No discurso de
fundação da Associação Tipográfica Baiana, assim se manifestava Joaquim Cassiano
Hyppolito, um dos membros fundadores da sociedade de socorros mútuos dos artistas
gráficos baianos:
O tempo, [...], urge. Estamos em pleno século XIX, o século das Luzes e do
Progresso. Ficar estacionário ante a revolução que se opera na sociedade é
suicidar-se. ‘Caminhar, eis tudo. É o destino do homem; é a legenda dos
povos; é o fadário da humanidade’. E por isto vos convocamos para a
reunião de hoje, a fim de envidarmos todos os esforços para sustentação de
nossos direitos e privilégios arrancados, de nossa dignidade e de nossas
necessidades mais palpitantes menosprezadas. [...] Temo-nos esquecido de
que uma hora que passa é parte de nossa existência que se esvai; e que
hoje estamos mais perto da sepultura do que ontem; que cada instante
pode decidir de nossa sorte e de nossa vida e que o infortúnio pode levar-
nos às calçadas das ruas, com o braço estendido a implorar caridade
pública. [...] E se ainda não bastasse, [...] um inimigo audaz levanta-se
diante de nós, [...] disposto a esmagar-nos. Refiro-me ao pensamento que
tem a Mesa dos Órfãos de São Joaquim de fundar um estabelecimento
tipográfico, em grande escala, com as três artes, aproveitando-se para esse
fim dos meninos órfãos ali recolhidos. A realizar-se este pensamento, as
classes de tipógrafos, livreiros e litógrafos ficam extintas entre nós,
porquanto, dispondo os mesários de recursos pecuniários e de influência,
hão de por força fazer convergir para o seu estabelecimento todas as
impressões, encadernações etc. É preciso reagir de toda e qualquer forma
possível. [...] E o meio, o mais essencial, é seguramente a organização de
uma associação que nos proteja e nos ampare – na falta de trabalho, na
velhice e na moléstia – e também a criação,
na imprensa
, de
um órgão
que defenda nossos interesses e instrua nossos associados
, fazendo-
lhes patente os melhoramentos introduzidos nos países mais adiantados
(REVISTA..., 1903b, p. 36-37, grifos nossos).
O discurso de Joaquim Cassiano Hyppolito insere-se em duas vertentes que se
vislumbravam aos trabalhadores de ofício no Brasil e na Bahia daquele contexto de meados
e fins do século XIX. Uma ligada a um olhar retrospectivo, em que, desde o fim das
corporações, sobretudo os mestres de ofício haviam perdido seus privilégios e a estrutura
hierárquica mais enrijecida típica do Antigo Regime já não mais vigorava, o que possibilitava
uma ampliação da oferta de mão de obra que não necessitava passar pelos exames que
habilitavam um candidato a exercer determinado ofício e fragilizavam os “direitos e