Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 174

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Para estudar a mídia em geral e o jornalismo em particular é preciso, antes de tudo,
compreender a visão que o campo jornalístico tem de si mesmo. A promessa da imprensa,
desde o seu surgimento, por volta do século XVII, em muito se confunde com a promessa
da modernidade. É nesse sentido que o trabalho jornalístico se contrapõe ao segredo nos
negócios públicos, erguendo-se contra aquilo que prevaleceu na Era Medieval, período no
qual os soberanos não precisavam buscar a legitimidade para governar na aprovação dos
seus governados. O jornalismo se propõe a ser o inverso disso. Entende-se ser papel da
imprensa, por exemplo, tentar desvendar esses segredos, levá-los ao conhecimento público,
expor todas as informações necessárias para que o cidadão livre possa se autogovernar
2
.
Essa ideia de cidadãos livres se autogovernando se inspira no conceito de
esclarecimento, uma das categorias fundamentais do pensamento de Kant. Para Kant,
esclarecimento é a saída do homem da menoridade. A menoridade é aqui entendida como a
incapacidade do homem fazer uso de seu entendimento sem a tutela de outro indivíduo.
Nesse sentido, esclarecimento é a possibilidade do homem de usar a razão sem ser
tutelado por alguém. Esclarecimento seria superar essa menoridade. Segundo Kant, é mais
“cômodo ser menor”:
Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor
espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a
respeito de minha dieta, etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo.
Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar;
outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis. (KANT,
1974, p. 100-101).
Essa superação da menoridade levaria o ser humano a escapar de qualquer tipo de
tutela. Nesse sentido, não resta dúvidas de que, se levado às últimas consequências, o
jornalismo pode ter um papel importante no esclarecimento do homem.
Isso ajuda a entender por que Ciro Marcondes Filho afirma que “a história do
jornalismo reflete de forma bastante próxima a aventura da modernidade”. É nesse sentido
que o autor considera que
O jornalismo é a síntese do espírito moderno: a razão (a verdade, a
transparência) impondo-se diante da tradição obscurantista, o
questionamento de todas as autoridades, a crítica da política e a confiança
irrestrita no progresso, no aperfeiçoamento contínuo da espécie.
(MARCONDES FILHO, 2002, p. 9).
Ao analisar histórica e socialmente, a trajetória da imprensa em meio à “aventura da
modernidade”, Marcondes Filho trata a primeira fase da imprensa, no período que o
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Bill Kovach e Tom Rosentiel comparam a função da imprensa à cartografia, no seu livro
Os elementos do jornalismo
. Eles
usam a ideia de que a imprensa precisa trazer informações confiáveis e fidedignas para que os cidadãos livres tomem as suas
decisões, o que os insere na visão liberal sobre o jornalismo.
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