A escrita historiográfica, seus protocolos e fontes - page 85

85 
sentido do texto, os usos que podem ser investidos e as apropriações que pode
suscitar. (CHARTIER, 1988, p. 123-138). Assim, pode-se apreender do material
jornalístico a ser consultado o intento, por parte dos agentes envolvidos na sua
produção, da elaboração de representações acerca do rádio como tecnologia, como
meio de comunicação e seu desenvolvimento no Brasil, bem como os esquemas de
apropriação – expressos nas formas utilizadas na composição e divulgação daquele
material – de visões de mundo que os produtores buscavam suscitar junto ao público
leitor.
Ademais, o trabalho historiográfico com o jornal atinge um público variado,
oferece um conteúdo com muitas fontes e pontos de vista, apresentando informações
fragmentadas e heterogêneas. Isto ocorre quando o jornal passa a refletir perspectivas
do mercado, do Estado, projetos editoriais, políticos e posições dos leitores, o que o
torna, cada vez mais, um objeto de complicada análise. Esses elementos têm levado
os historiadores a trabalharem com determinados focos dentro do jornal, e não o jornal
como um todo, sobremaneira centrando seus estudos, como caracterizou Sevcenko
(2003, p. 43), em “editoriais, que refletem a opinião da empresa que encabeça o jornal
e, portanto, suas conexões políticas mais evidentes, como na clássica tendência do
jornalismo políticos desde o início do século XX, ou então as colunas e seções
assinadas, que formam bolsões de sentido articulado e em séries que têm uma
duração contínua e que podem ser desdobradas ao longo do tempo”.
Do ponto de vista metodológico, podemos falar que há hoje três amplas e
distintas correntes de abordagem dos periódicos, quais sejam: a sociológica; a
discursiva e a histórica. Como se pode perceber na leitura da ampla coletânea de
artigos organizada por Sérgio Porto (2002), há alguns pesquisadores que acreditam na
impossibilidade de associação daqueles três tipos de abordagens, enquanto outros
defendem ser possível questionar os periódicos com base em preocupações ligadas
pelo menos a duas daquelas três correntes de abordagens, sobremaneira excluindo a
discursiva e associando a abordagem sociológica à histórica, enriquecendo assim o
enfoque historiográfico. Sob tal perspectiva metodológica, há as sugestivas indicações
fornecidas pelo artigo de Renée Zicman.
Zicman (1981, p. 89) considera que nas relações entre história e imprensa
devem ser sublinhadas as seguintes vertente interpretativas: a “história da imprensa” e
a “história através da imprensa”. Na primeira, o pesquisador deve buscar reconstruir a
evolução histórica dos órgãos de imprensa, cuidando em destacar as suas principais
características dentro de um determinado período. Já na segunda perspectiva, o
pesquisador tomará os materiais publicados pela imprensa como fonte primária para a
realização de seu estudo. Assim, Zicmam (1981, p. 90) “toda pesquisa realizada a
1...,75,76,77,78,79,80,81,82,83,84 86,87,88,89,90,91,92,93,94,95,...180
Powered by FlippingBook