A escrita historiográfica, seus protocolos e fontes - page 92

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grande imprensa brasileira. No entanto, o matutino controlado por Roberto Marinho
parecia não estar convencido de que aquela movimentação militar que mudaria os
rumos políticos portugueses teria êxito, sobretudo após um avanço das forças
populares e dos movimentos sociais liderados pelos partidos socialista e comunista.
Essencialmente, durante os primeiros momentos da eclosão revolucionária, notam-se
na análise do material publicado pelo jornal, poucas diferenças estruturais em relação
à recepção do fato em outros órgãos midiáticos nacionais, mas ainda assim algumas
peculiaridades são perceptíveis.
Enquanto o
Jornal do Brasil
, maior concorrente de
O Globo
, anunciava em
editorial que o que ocorrera naquele 25 de abril de 1974 fora um previsível movimento
militar e político que ia de encontro aos anseios da população portuguesa, não
poupando a utilização da terminologia Revolução já nos primeiros dias após o 25 de
Abril,
O Globo
adjetivaria o mesmo movimento como um golpe, denominando os
militares por rebeldes, tendo, inclusive, caracterizado a maior liderança do principiar da
Revolução, General Antonio de Spínola, como uma figura contraditória (
Rebeldes
instalam novo governo em Portugal
. O Globo, Rio de Janeiro, 26 abr. 1974, Caderno
01, p. 13). A utilização da denominação Revolução seria empregada pelo periódico em
seus editoriais e notícias somente no final de maio de 1974, um mês após a derrocada
do salazarismo. Em comparação com outros periódicos nacionais, o emprego da
terminologia dá-se de maneira tardia.
Mais incisivo do que a não utilização do termo Revolução ou do que a
adjetivação negativa do movimento e de suas lideranças seria a repercussão da
Revolução dos Cravos em uma coluna do periódico denominada “Portugal de Hoje”.
Assinada pelo jornalista Alves Pinheiro, tratava-se de uma coluna social voltada para a
colônia portuguesa do Rio de Janeiro, então ainda bastante numerosa. Jornalista de
O
Globo
desde a década de 1930, Alves Pinheiro desenvolveu uma peculiar ligação com
Portugal. Tendo embarcado para terras lusitanas em 1960, de lá escreveria diversas
crônicas para o matutino da família Marinho, reunidas posteriormente no livro
Corpo e
Alma de Portugal
, em 1961. Também escreveu para
O Globo
a partir de Angola, ainda
então uma colônia portuguesa.
Em suas viagens, acabou por tornar-se amigo de António de Oliveira Salazar, e
elogiou inúmeras vezes o ditador português e sua política colonial em sua coluna de
O
Globo
. Durante a repercussão da Revolução, o jornalista criticaria o que ele definira
como excessos da eclosão revolucionária; acompanharia de perto a vinda dos líderes
depostos pela Revolução e que se asilaram no Brasil; e ainda viria a afirmar que a
comunidade portuguesa no Brasil estaria apoiando figuras de oposição ao novo
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