A escrita historiográfica, seus protocolos e fontes - page 96

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tenha sido dominada pelo Partido Socialista – com 116 das 250 cadeiras – e pelo
Partido Popular Democrático – representante da Social Democracia em Portugal,
partido de centro, mas historicamente alinhado às esquerdas portuguesa e européia –
O Globo
estamparia sua primeira página em letras garrafais, por dois dias
consecutivos, aclamando a suposta derrota do Partido Comunista Português e das
esquerdas, com as chamadas “Povo português repele o comunismo nas urnas” (
Povo
português repele o comunismo nas urnas
. O Globo, Rio de Janeiro, 26 abr. 1975,
Caderno 01, p. 01.) e “Vitória dos moderados pode mudar os rumos de Portugal”
(
Vitória dos moderados pode mudar os rumos de Portugal
. O Globo, Rio de Janeiro,
27 abr. 1975, Caderno 01, p. 01). Cabe ressaltar que o Partido Comunista Português
obteve 30 cadeiras das 250 em disputa. Em uma eleição marcada pelo
pluripartidarismo – 14 partidos participaram da eleição, vários outros radicais de direita
e esquerda foram proibidos – e pela perseguição a todas as formas de radicalismos,
os mais de setecentos mil votos recebidos foram expressivos. Ademais, a expressiva
votação dos membros do Partido Socialista demonstra que as forças de esquerda
ainda dominariam os rumos da Revolução.
Os editoriais, matérias e comentários publicados por
O Globo
durante o
processo revolucionário lusitano, demonstram um posicionamento claramente alinhado
com o combate à subversão comunista e ao ideário das esquerdas no Brasil e no
mundo. Tal assertiva é perceptível ao se analisar a preocupação compreendida no
noticiário diário em ilustrar aos leitores que Portugal poderia alçar, a partir do governo
saído do 25 de abril, um regime verdadeiramente democrático, desde que não
houvesse aproximação com as esquerdas. No entanto, o conceito de democracia
presente no periódico neste período apresenta-se de maneira bastante complexa.
Acerca do governo lusitano, como foi demonstrado, o panorama democrático não
incluiria, obviamente, as lideranças comunistas. Já no campo político nacional, os
governos militares, sobremaneira o Governo Geisel, foram diversas vezes descritos no
periódico como defensores da vocação democrática brasileira, apesar de todo o
aparato de censura, perseguição e demais práticas autoritárias já bastante exploradas
pela historiografia sobre o regime militar.
É possível exemplificar tal posicionamento fazendo uso, mais uma vez, da
analise de editoriais e notícias publicadas pelo periódico acerca do campo político
nacional. Em estudos de imprensa, a utilização dos editoriais se faz necessária por ser
este, principalmente, o espaço editorial onde são expressas as opiniões dos diretores
dos órgãos midiáticos estudados. No caso de
O Globo
, além deste uso, há como
perceber a opinião direta do principal responsável pelo periódico, seu proprietário,
Roberto Marinho, já que este assinou diversos e reveladores editoriais no período.
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