A escrita historiográfica, seus protocolos e fontes - page 84

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emissoras de rádio deve ser levado em questão durante a pesquisa. Durante todo o
trabalho, é importante atentar-se para a composição gráfica e o espaço da publicidade
nas edições e na programação radiofônica; a caracterização do público-leitor alvo,
assim como os índices de tiragem e vendagem; e, por fim, levantar o maior número de
elementos que permitam apreciar a posição e as relações do jornal com as emissoras
e as fusões jornal/rádio encetadas no período.
Antes de anunciar os caminhos metodológicos impostos ao desenvolvimento
do estudo da radiodifusão por meio da imprensa, deve-se salientar duas orientações
teórico-metodológicas importantes. Primeira, os jornais escolhidos para análise não
são apenas fontes de informações sobre a radiodifusão brasileira, mas, também,
objetos de análise, uma vez que são considerados como agentes que possuem
interesses políticos com relação ao mercado midiático, o que significa dizer, de acordo
com Bourdieu (1989, p. 173-180), que eles, tal como as empresas de radiodifusão e
seus idealizadores, são produtores de bens políticos, ou seja, enunciam e anunciam
problemas, soluções, acontecimentos, prognósticos e projetos políticos à população
em plena concorrência com os demais agentes políticos, ansiando, enfim, pela
conquista do poder simbólico.
Em termos teóricos, há os férteis conceitos de “representação” e “apropriação”,
ambos elaborados por Roger Chartier para o desenvolvimento de uma história social
da cultura e em franco diálogo com a sociologia da prática de Pierre Bourdieu. O
conceito de “representação” é definido pelo historiador francês como um tipo de
classificação que possa organizar a apreensão do mundo social enquanto categoria de
percepção do real. Uma representação é variável, posto que é decorrente da
disposição do grupo e/ou classe social que a engendra. Contudo, ela aspira à
universalidade, ainda que encetada por interesses grupais, os quais são atravessados
por relações de poder e dominação, quer no interior do grupo e/ou classe social, quer
no contato com os demais grupos sociais que compõem a sociedade. Logo, uma
representação não é uma classificação neutra, uma vez que aspira impor uma visão
social particular de mundo como geral, sempre dentro de um campo de luta e
concorrência. Por este motivo tal luta é considerada pelo historiador tão válida quanto
a luta econômica, sendo seus conflitos tão mais decisivos quanto menos
imediatamente materiais (CHARTIER, 1988, p. 17). Para Chartier, o conceito de
apropriação deve ser compreendido como uma prática de produção de sentidos,
dependente das relações entre texto, impressão de texto e modalidades de leitura, as
quais são diferenciadas por relações sociais distintas. Nesta direção, o autor atenta o
historiador aos sentidos das formas materiais de leitura, uma vez que as formas, os
dispositivos técnicos – visuais e físicos – podem comandar, se não a imposição do
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