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brasileira. Já a tradicional corrente orientalista francesa, atinge seu ápice em erudição
e importância na virada do século XIX para o XX com o afamado historiador Ernest
Renan.
Curiosamente, se retrocedermos ao Manual FTD de 1911 (apud BERTOLINI,
2011, p 119) veremos um cuidado e precisão linguística ao tratar do tema:
O Islamismo synthetisa-se neste dogma: Deus é Deus, e Mahomet é
seu propheta. Ensina a unidade de Deus e a unidade de pessoa em
Deus, a vida futura, a immortalidade da alma, a condemnacão e a
predestinação fataes, um inferno e um paraíso eternos.
Não é ao acaso que os autores escrevem “synthetisa”, “condemnação” e
“immortalidade”, o Manual FTD foi elaborado por padres maristas franceses, era
destinado ao colégio arquidiocesano de São Paulo, destoa da quase totalidade dos
livros didáticos brasileiros do século XX em precisão (ao traduzir corretamente “Alá”
por “Deus”), mas se coloca junto à grande
expertise
francesa de fins do XIX na visão
que tem sobre o Islã. Os maristas demonstram ser bons tradutores, mas ainda
apresentam uma visão estereotipada do Islã:
Os Árabes pertenciam a família semita e descendiam de Ismael, o
filho desherdado de Abrahão. Professaram primeiro a religião desse
patriarcha e adoraram o verdadeiro Deus. Mas, privados das luzes da
revelação e afastados do povo judaico depositário dellas, breve
misturaram fabulas e imaginações com o dogma e o culto primitivo, e
resvalaram na Idolatria. Seu templo da Caaba, na Meca, fora
construído por Abrahão, conforme reza a tradição. Encheram-no com
várias centenas de ídolos, sendo o mais celebre uma pedra preta,
trazida do céu, na crença dos Árabes, pelo archanjo Gabriel. Nem
todos os Árabes eram idolatras. Algumas tribus seguiam o Judaísmo;
outras tinham a doutrina christã mesclada de superstições pagas [...]
Na moral, Mahomet prescreve a piedade (A oração, diz elle, nos leva
para Deus a meio caminho; o jejum nos conduz á porta do seu
palácio; a esmola nelle nos faz entrar), a benevolência, a paciência, a
esmola; prohíbe o roubo, a fraude, a usura, o falso testemunho, o uso
do vinho, o jogo, a carne de porco; autorisa o divórcio e a polygamia,
dando elle mesmo exemplo vergonhoso. Como se vê, a religião
musulmana tirou do christianismo e do judaísmo todas suas sábias
prescrições; suas tolerâncias monstruosas são a invenção do
impostor que a fundou.
Não se importa com os pensamentos e desejos culpados; sua moral,
afora os preceitos que respeitam a boa ordem social, deixa campo
livre e rédea solta as paixões humanas. Para grangear adeptos, o
fundador explorava a concupicência, a fraqueza dos sentidos. (...) A’
mingoa de poder divino para fazer milagres que convencessem, para
descobrir o segredo sobrenatural de vibrar as cordas que commovem
os corações, Mahomet lança mão daquillo que agrada a natureza
degenerada; afasta os preceitos difficeis e afaga as paixões que
raízes mais fundas deitaram na alma humana. Muito differente tinha
sido o proceder de Jesus Christo cuja doutrina reprova tudo quanto