Os Saltimbancos
é uma criação brilhante, que nos interessa aqui para
estabelecermos alguns pontos em comum com
Fazenda Modelo
e
A Revolução dos
Bichos
. A sátira de Orwell, assim como
Os Saltimbancos,
descende do conto “Os
músicos de Bremen”, claro que Orwell converte o ímpeto “vadio” e saltimbanco em
força revolucionária, pois seu objetivo era desnudar a corrupção após o momento
revolucionário, onde se constata a necessidade da mudança. A identificação dos animais
com as classes trabalhadoras atua como um papel quase didático que arte assumiria se
fosse resumida ao panfleto – o que, felizmente, não acontece em nenhum dos casos – e a
metáfora da dominação do homem sobre os animais é quase inseparável da ideia de
dominação do homem pelo homem.
Valendo-se de elementos dos mais variados gêneros essa obra salta aos olhos por
sua qualidade estética e ética. Da fábula de origem popular, que por sua vez já havia
sido utilizado como base para outros autores, a trama conserva o apelo coloquial da
intriga – rebelar-se contra a dominação, afirmar-se como indivíduo. Do drama,
conserva-se uma relação que o coro estabelece como limite entre senso de realidade e
utopia. As primeiras canções são fortemente biográficas e dão consistência ao
andamento da narrativa. Há que se levar em conta também que a obra se ocupa de uma
certa resposta à voz oficial que se propõe a partir da ótica do malandro.
É do ponto de vista do malandro que se estabelece a crítica profundamente
sociológica de
Fazenda modelo
e de certa maneira, o foco narrativo que se apoia no
ponto de vista do malandro, daquele que circula desapegadamente entre a ordem e a
desordem, entre as elites dominantes e as classes populares, possuindo aspectos de
ambos universos, parece ser esse o grande achado da prosa de Chico Buarque em todos
os seus romances, ver o mundo dessa forma é acontecimento estético que
Os
saltimbancos
reafirma e acentua.
O parágrafo de abertura do primeiro texto publicado por Bakhtin (2003) – Arte e
Responsabilidade –, diz que se os elementos estão unificados no espaço e no tempo sem
serem penetrados por uma unidade interna de sentido, então chama-se ao todo de
mecânico
. Ainda que as partes desse todo estejam justapostas e aproximadas elas soam
como estranhas umas às outras. O parágrafo de encerramento desse mesmo texto diz:
“Arte e vida não são a mesma coisa, mas devem tornar-se algo singular em mim, na
unidade da minha responsabilidade”. Essa assertiva contém implícita a ideia do agir
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