Zélia Lopes da Silva (Org.)
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ali virando o antigo velório, descia o Shopping, saía lá perto do Itaú e descia. Ali na Ana
Mora [Dona Amora] naquela loja que, subindo, tinha um clone de relógio. Eu tinha que
ficar rodando o relógio. Aí, eu não achei justo. Não é proibido esse tipo de relógio? É um
relógio que põe aqui e eles espalham as chaves pelos cantos. Em vários lugares proibiu-
se, porque é um tipo de trabalho escravo, né. Se você deixar de passar lá, naquele ponto,
se tiver uma dor de barriga, qualquer coisa, vai acusar lá. Se tiver chovendo você tem que
andar do mesmo jeito. Tem que rodar aquela chave. Aí, eu achei muito humilhante e saí.
E fiquei só na catação.
Entrevistadoras
: E quando você decidiu participar da Cooperativa?
— C.D.O.:
Então, eu comprei uma carroça e um cavalo e comecei a catar. Comecei a
estabelecer os itinerários certinhos, os pontos. Comecei a catar mais organizado, mais não
entregava no meu nome. Entregava no nome da minha irmã. Também essa atividade de
catação tinha que catar durante o dia. Aí, eu tinha muito constrangimento né, para catar.
Naquela época, era pouca gente que catava. Em 2002 comecei a catar.
Entrevistadoras
: Naquela época o pessoal colaborava?
— C.D.O.:
Não, só alguns. Eles perguntavam: “O que você cata?”. Ainda mais no Jardim
Europa que só vinha quem tinha carroça, né. Uns viam você ali mexendo e entravam que
nem doido para a garagem. Um senhor, no Jardim Europa, um dia ele saiu na área: “Que
você esta mexendo no meu lixo, aí? Aí não tem nada não!”. Aí ele: “Para de mexer aí,
hein”, aí ele me xingava: “Rapaz novo desse, vai trabalhar, vai arrumar serviço”. Daí, a
gente estava num período de recessão muito grande. Então, não tinha emprego. Aí, um dia
ele parou e perguntou: “O que você fica fuçando, o que você cata?”. Aí eu falei: “Eu cato
PET, papelão, embalagem de leite, latinha de ervilha, essas embalagem né, tudo o que for
embalagem eu pego”. “Oh! então eu vou deixar separadinho e você pega”. Aí as pessoas
veem você direto passando ali, eles começam a saber. Tinha uma casa que liberava a
garagem para eu pegar revista, jornal. Deixava separadinho. A padaria começou a separar
e a outra deixava pão para mim dá para o cavalo. Então, comecei a criar um roteiro, para
segunda, para terça, outro para quarta, outro para quinta. Então, era bem organizado.
Entrevistadoras
: E, aos poucos, o pessoal foi acostumando e passaram a ajudar?
— C.D.O.:
É, acostumaram. Com isso comecei a ter meus pontos, né. Eu catava, aí
começou a ter esse interesse. Um dia eu saía de manhã, chegava e botava o cavalo para
descansar. Dava trato para ele, e ia separar o material que tinha pegado. Aí, entrava todo
mundo: a molecadinha, mulher, todo mundo macetando PET. E aí, depois, à tarde, eu me
organizava e saía de novo para catação no setor de cima. E aí, sempre entregando no
nome da minha irmã, né. Comecei a entregar no nome da minha mãe e, depois, no nome
da minha irmã. Sempre assim. E aí, depois que apareceu essa possibilidade de criar o lixo
da esteira ia precisar do Lu para vir para cá, para trabalhar organizando a Cooperativa,
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