Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 941

inexplicável mudança de modos passou a demonstrar interesse em partilhar da nova boa
ventura de Gedeão. Assim, torna-se ele mesmo um mito fundador, um patriarca, um
modelo local, incompreensível a não ser para o narrador. “No estranhado louvor de
desconhecidos, vizinhos e parentes, festejando-se. Sendo que pasma-os ainda hoje – e fez-
lhes crer que a Terra é redonda. Alelúia” (ROSA 1979, p. 80).
A referência recorrente ao sertão como espaço das narrativas de Rosa confirma-se
por alguns indícios que dão concretude à necessidade do discurso mítico provido de boa fé
ante dificuldades ilimitadas: a religiosidade, o costume do fiado, a lavragem braçal da terra,
a precariedade dos recursos e o isolamento do lugar de menção suficientemente anônima
talvez também pela semelhança com inúmeros outros. “Ao gosto de utilização de fórmulas
populares uniu-se o sentido popular e a necessidade de valorização do popular dos
Evangelhos (o criatural cristão)” desde “A hora e a vez de Augusto Matraga” (SPERBER
1976, p. 43). No caso de
Tutaméia,
no conto “Grande Gedeão”, encadeando
acontecimentos não razoáveis o narrador deixa lacunas sugestivas para o leitor construir o
sentido da ascensão do herói vinculando-o à decisão inicial de não trabalhar mais, a
exemplo dos passarinhos como nos “fortíssimos do Evangelho” glosados pelo seminarista.
Sentou-se com totalidade. Fez declarado o voto, como quem faz bodoque ou um
dique: - ‘
Vou trabalhar mais não’.
Sério como um cavalo de circo, cruzou as pernas e
braços. Escutavam-no consternados.
(...) Somava mor com só o fino e o todo. Deixou os sapos na lagoa. (ROSA 1979, pp.77 e
78)
Os patriarcas foram gigantes, poetas e teólogos. A partir da sabedoria rude e totalizadora
deles produziram-se as primeiras sociedades civis. “Pelo que dissemos nas Dignidades: que
todas as histórias das nações gentílicas tiveram princípios fabulosos, e que junto aos gregos
(mediante os quais dispomos de tudo quanto temos a respeito das antiguidades gentílicas)
os primeiros sábios foram os poetas teólogos, sendo rudes em suas origens, em sua
natureza, todas as coisas que de qualquer modo nasceram ou se empreenderam; tais [isto é,
rudes] e não de outra forma se hão de estimar as origens da sabedoria poética” (VICO
2005, p. 97) (chave do autor). Gedeão interpreta o mito literalmente, a mulher sanga-
se, os filhos invejam-no, vendem-lhe fiado ao vê-lo sempre em roupa de domingo e a
mulher o expulsa por propor a venda do Afundado de dois alqueires onde vivem. O
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