Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 942

povo o intercepta na saída com propostas favoráveis: “ágios, ócios, negócios (...)” (ROSA
1979, p. 79). O herói as aceita, pois já cuidara que mesmo os pássaros trabalham, como o
joão-de-barro. A estória colinde com o não senso conservando-se fora de seus limites
pelo privilégio de uma perspectiva histórica, psicológica e sociológica do mito como
fundamento das práticas. O narrador, por onisciência, revela o sentido da anedota de não
senso aparente: Gedeão para de trabalhar e prospera ascendendo do trabalho braçal à
gerência do trabalho alheio seguido de especulação financeira. A mudança de situação do
herói contraria qualquer determinação: primeiro moureja e vai à missa como os demais até
que ouve ao despertar de um cochilo o fragmento do sermão e já levanta decidido a passar
de cavalo a passarinho.
Solerte semelhante, o estilo dos pássaros... sem semeio, ceifa, atulho? Isso
incumbiu-o. Ipsisverbal, a indicatura. Sacudiu-se; qualquer luz é sempre nova. Se benzeu e
saiu, já de espírito pleno: reunida a família, endireitou-se para casa. Sabiá, o joão-tolo,
alma-de-gato, gavião... em todo o volume de sua cabeça. Desagachou-se. (ROSA 1979,
pp.77-78).
Por meio dessa transformação decisiva sintetizada na ação do herói de se desagachar, o
narrador vai dando pistas de como o mecanismo dos mitos intervém nas práticas: das
condições de produção arcaicas que dão necessidade ao pensamento do herói à reação
favorável do povo que calculava “enterrada panela de dinheiro” (ROSA 1979, p. 79).
O raciocínio débil do herói dominado pela imaginação teve sua eficácia confirmada ao
superar a determinação daquilo que seria mais um destino no sertão. O supra-senso ou os
sentidos superiores como os sugeridos pelos mitos interessam a todos, podem ser
produzidos mesmo, e talvez principalmente, por interpretações desautorizadas e a ousadia
do conto “Grande Gedeão” está em apresentar um desfecho favorável a um intérprete
inepto. A ironia desse final feliz também se deve à participação do conto em uma obra
estruturalmente inovadora, de difícil interpretação e provocativa por optar por finais felizes
em quase todos os contos que apresentam situações limite iniciais semelhantes às
dificuldades históricas vividas pelo povo sertanejo. O autor concretiza a eficácia dos
sentidos superiores como os produzidos pelos mitos por meio da prosperidade do herói que
os admite como factuais. A bem-aventurança de Gedeão começou com o supra-senso
fechado em sua idéia de homem “físico, muscular”. Ao invés de admitir o milagre como
suspensão das leis naturais e regras sociais, o sentido superior admitido por Gedeão que
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