Zélia Lopes da Silva (Org.)
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e vai pegando o pessoal e traz para cá (Maria Galdino da Silva. Entrevista:
31 de maio de 2011) 9.
As dúvidas sobre esse trabalho commaterial reciclável estão contidas no depoimento
de Noêmia, que aborda o seu percurso de vida e de trabalho, em poucas palavras, e
sua inserção na categoria de trabalhadora com recicláveis, bem como os preconceitos
enfrentados socialmente por essa inserção. Aliás, essa é uma questão recorrente na fala
desses homens e mulheres.
N.V.V.: Até eu chegar, a Cooperativa que hoje eu me encontro, teve um
percurso. Antes, eu morava em Marília, ai lá as coisas pra nós estavam
muito difícil. Eu sempremorei na cidade deAssis. Mas, devido umproblema
de separação — eu era amasiada na época —, para poder ter sossego eu
fui embora para Marília. Lá, eu morava com meus três filhos. Depois eu
voltei para Assis e estava desempregada. Aí, eu e Cleuza, — Cleuza hoje
faz parte da diretoria —, [que] também morava comigo em Marília, a gente
veio para cá. Viemos aqui falar com a Sandra [que] na época fazia parte
da diretoria. Aí, Sandra falou que estava precisando sim, de pessoas pra
trabalhar aqui. Só que nós tínhamos que fazer a coleta seletiva, a coleta
de rua empurrando carrinho junto com outras mulheres. Aí a gente foi, né.
Aí, depois eu fui gostando do projeto. No começo deu vergonha, porque
a gente nunca tinha feito esse tipo serviço. A minha mãe já é catadora.
Há 25 anos ela já trabalha com material reciclável. Por causa da gente
está desempregada eu comecei a trabalhar aqui [na] Cooperativa. Através
desse serviço eu pagava aluguel e através desse serviço eu consegui
comprar minha casa própria que hoje é onde meus filhos moram, graças a
Deus. Eu estou muito feliz, viu? É assim, um serviço que às vezes muitos
falam: vocês não têm vergonha, não? A gente não tem que ter vergonha
do que gente é. É um serviço digno, igual a qualquer outro. Já trabalhei
na esteira com as meninas, no lixo. Já fui coordenadora da esteirinha do
material reciclável. E, hoje, devido um problema meu de saúde, eu não
estou podendo ir pra rua. Mas eu gosto mesmo é está [na] rua catando
material reciclável. Então, eu hoje estou na cozinha.
O relato acima explicita que a inconstância dos empregos e as dificuldades
enfrentadas, em diferenciados níveis, perpassam essas famílias. Embora as gerações
não sejam as mesmas, há elementos de repetição na trajetória dos filhos que acabam
refazendo o mesmo trajeto vivido pelos pais, processo que se apresenta marcado por
muitas privações e recorrentes separações, que acabam desestruturando a família e
colocando a todos em novas dificuldades.
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Cabe ressaltar que todos os relatos aqui apresentados foram transcritos e editados, preservando-
se as marcas da linguagem oral, por meio da qual as entrevistadas se expressam.
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