Memória dos Catadores de Materiais Recicláveis de Assis (2001-2007)
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As separações, entretanto, ocorrem em diversas situações e tempos distintos dos
casamentos dessas protagonistas. Maria Aparecida, após 20 anos de casamento, separa-
se do marido, explicando que a decisão ocorreu por vários motivos, embora as investidas
de outra mulher se insinuando para o seu marido tenham precipitado o término da relação.
Em suas palavras:
A.R.B.X.: Eu trabalhei no Clube São Paulo quase 12 anos. Aí tinha umas
donas lá, igual umas donas que tem aqui na Cooperativa, que todos os
homem que entravam lá no clube elas já atacavam. É igual aqui, só que
elas já tinham revirado tudo. Já fazia tempo que meu marido trabalhava lá.
E elas já tinham revirado tudo que tinham que revirar. Aí partiu para o lado
do veinho, né (risos). Mas é aquele negócio, assim, sabe, se insinuando,
aquelas brincadeiras sem graça falando palavrões; não era uma coisa
concreta, mas começou a fazer desavença na casa da gente. E um pouco
também por causa de família né, porque eu ajudava muito os irmãos,
sobrinhos, né. Então, foi um pouquinho de cada coisa, porque a gente
era para viver muito bem, porque ele trabalhava e eu sempre trabalhei. A
gente era já para ter uma casa própria, ou um carro até, mais ou menos,
pra passear. Assim, uma situação de vida melhor. Mas, de tanto ajudar
parente, a gente não tem nada até hoje, nem ele nem eu (Aparecida
Regina Barbosa Xavier, 05/11/2011).
Esse constante “começar de novo”, constatado no campo das relações familiares,
já foi assinalado pela bibliografia especializada ao longo do século XX
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que deixa antever
que esse “modelo de relação” tem longa tradição no âmbito das classes populares e que
se manifesta como parte constitutiva do grupo aqui discutido, sem que haja qualquer
estranhamento sobre a sua existência. O paradigma familiar convencional não é o
caminho para essas mulheres, uma vez que, no âmbito do grupo, poucas são casadas
formalmente. Também aparece opção homossexual entre essas mulheres, que indica
caminho alternativo de relacionamento. Esses relacionamentos informais (heterossexuais)
são vistos pela bibliografia especializada, como parte distintiva de seus valores e expressa
a visão de mundo desse segmento, diferentemente do preconizado paradigma burguês
de família nuclear, formalizada por um contrato jurídico e “abençoada” por um religioso
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Esse assunto foi discutido, emmomentos e em experiências diversas dos sujeitos, pelos seguintes
autores: VELLOSO, Mônica – As tias Baianas tomam conta do pedaço. Espaço e identidade cultural
no Rio de Janeiro.
Estudos Históricos
. RJ: FGV, v. 3, n. 6, p. 207-228, 1990; MALUF, Marina e
MOTT, Maria Lúcia – Recôndidos do mundo feminino. In:
NOVAIS, Fernando A; SEVCENKO,
Nicolau.
História da vida privada no Brasil
. SP: Cia das Letras, 1998, v. 3, p. 367-421;
PORTO,
Carla Lisboa.
A mulher malandra e a popular nas percepções de Ismael Silva e do jornal Correio
da Manhã (1930-1935).
2008. 135 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Ciências
e Letras, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Assis, 2008. [Bolsista: Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico].
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