Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 990

se crer documento verídico, ou seja, as memórias de Chalaça, utilizando-se do prefácio
e de paratextos, como a orelha do livro e sua contracapa, para criar a ilusão de que tais
documentos teriam sido encontrados pelo então historiador José Roberto Torero,
imagem ficcional do autor real. Para tanto, o romance se articula basicamente em dois
gêneros textuais, o diário pessoal e a autobiografia, que, no entanto, não seguem uma
linha cronológica única, mas a da escritura, cada qual, contudo, remetendo a uma época
diferente; notas de rodapé também surgem ao longo do texto, funcionando como a voz
do historiador que contrapõe ou tenta justificar certos equívocos de natureza histórica,
processo metaficcional pelo qual se observa o dialogismo do romance e sua natureza
narrativa, no sentido da seleção que teria sido efetuada por Torero. Assim, o jogo com a
estrutura narrativa, a perspectiva interna aos fatos históricos conhecidos, que é
possibilitada pelo relato de Francisco Gomes da Silva, o teor carnavalizado dos
acontecimentos, os quais surgem em sua natureza mais crua, não se omitindo a narrar
cenas relativas à defecação e ao sexo, tais fatores permitem inserir o romance de Torero
naquele grupo de romances históricos que se engendram por uma linha crítica de
reconstrução histórica, cuja origem se dá com os chamados novos romances históricos
latinoamericanos (de autores como Alejo Carpetier, Roa Bastos, Vargas Llosa, a partir
da década de 70 com maior intensidade), e que podem ser denominados na produção
nacional como “romances históricos brasileiros contemporâneos”, segundo Esteves
(2010).
Tratando-se de uma narrativa não linear, estruturalmente complexa, mas cujo
conteúdo se relaciona intertextualmente com dados históricos de comum conhecimento,
o papel de leitor é aqui enfaticamente requerido, já que é a partir de seu conhecimento
sobre mecanismos literários, sobre os eventos históricos tratados, enfim, seu
conhecimento linguístico, de mundo e enciclopédico, que será possível o embate
dialógico com o texto e a reconstrução de seus sentidos de modo mais profícuo.
Trabalhar com esse aspecto da leitura de um romance histórico contemporâneo é,
portanto, o objetivo desse artigo, e para tal, buscaremos apoio em direcionamentos
relativos à linguística textual. Nesse sentido, recorreremos a pontos trazidos por Koch e
Travaglia acerca d’
A coerência textual
(1997), que para os autores pode ser entendida
como um “princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa
situação de comunicação e à capacidade que o receptor tem para calcular o sentido deste
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