cegamente às ordens do meu amo, considerei-me a partir daquele dia o mais devotado
defensor daquela causa” (Torero, 1994, p. 110). A ironia fundamenta-se no
questionamento de quem é Francisco Gomes para que seu discurso seja tido como
verdadeiro. Ele assume para si a autoridade de fala e afirma a credibilidade de seu
discurso, esse que foi olvidado pela historiografia oficial. A possibilidade de uma tal
leitura crítica seria facilitada no caso de um leitor com certo arcabouço de leituras
anteriores de romances históricos voltados para uma linha de recriação crítica da
história oficial, estabelecendo uma relação entre tais obras e o texto do Chalaça,
inclusive sobre a característica de dar voz a personagens marginalizadas pelo discurso
hegemônico.
O romance de Torero apropria-se, então, de textos da história, parodiando
inclusive seus modos de composição e sua pretendida relação de discurso autorizado
sobre os fatos. Com isso apresenta um intento de problematizar as relações entre
discursos histórico e ficcional, apontando para seus pontos em comum, já que tanto
história quanto literatura:
[...] obtêm suas forças a partir da verossimilhança, mais do que a partir de
qualquer verdade objetiva; as duas são identificadas como construtos
linguísticos, altamente convencionalizados em suas formas narrativas, e nada
transparentes em termos de linguagem ou de estrutura; e parecem igualmente
intertextuais, desenvolvendo os textos do passado com sua própria
textualidade complexa. (Hutcheon, 1991, p. 141).
Hutcheon, portanto, considera, como se tem feito em estudos contemporâneos
tanto da História quanto da Literatura, a equidade das duas formas narrativas,
enfatizando suas existências enquanto discursos e como formas narrativas, ou seja,
ideologicamente motivadas, incorporando o passado no presente por meio da paródia, já
que “só conhecemos o passado (que de fato existiu) por meio de seus vestígios
textualizados” (Hutcheon, 1991, p. 157). No romance, tais aspectos são ressaltados pelo
uso da metalinguagem, os comentários sobre a própria produção do texto, sobre sua
existência enquanto discurso, enquanto material de linguagem ao qual se procedeu certa
edição e interpretação dos fatos. Assim, igualmente, a ironia “assinala a diferença em
relação ao passado, mas a imitação intertextual atua ao mesmo tempo no sentido de
afirmar – textual e hermeneuticamente – o vínculo com o passado.” (Hutcheon, 1991, p.
164)