tendo de pagar uma pequena soma para possuir os escritos (parte do diário, memórias,
cartas). Contudo, ao final do prefácio, revela: “Por questões éticas e exigências do
editor, devo advertir que pairam dúvidas sobre autenticidade destes papéis” (Torero,
1994, p. 10), sendo explicado que estudiosos teriam encontrado equívocos de datas e
linguagem possivelmente incompatível com a época, pontos relevados pelo
“historiador” Torero como fruto da coloquialidade e tom informal dos escritos. Essas
informações auxiliam a contextualizar a obra e estabelecer sua situacionalidade, seja o
contexto sócio-político cultural na qual a interação se insere, seja a arquitetura textual
de acordo com certos objetivos (Koch, p. 70), provavelmente de acordo com a leitura
acima proposta. Contudo, em se tratando de um romance, uma obra literária, esses
fatores cambiam-se ambíguos, mantendo a anterior leitura, mas crendo-a um anseio
ficcional, permitindo compreender capa e prefácio como elementos do universo
narrativo que o romance como um todo encerra, enfim, um jogo de máscaras no qual o
autor físico doa seu nome a outro personagem para com isso, não criar uma mentira
grosseira como gostaria de crer o senso-comum, mas dar início com este jogo à
retomada histórica, sua reconfiguração crítica e explorando o texto em diferentes níveis
narrativos que se cruzam ao longo da obra e realçam seu aspecto dialógico.
Deste modo, percebe-se que o romance engendra um processo de subversão de
uma leitura ordinária, estabelecendo uma ruptura com os mencionados fatores de
coerência. A retomada do discurso histórico se dá por uma inversão de polaridade
efetuada pela ironia, visando a desconstrução de imagens cristalizadas pelo discurso
hegemônico. Tal aspecto pode ser melhor visualizado nos momentos em que se narram
eventos históricos conhecidos, como a Proclamação da Independência do Brasil (1822),
cujos dados são remanejados pela composição de Torero. Esse evento é construído
discursivamente de uma forma carnavalizada, privilegiando apresentar o corpo em sua
forma grotesca, crua, de acordo com os estudos de Bakhtin na obra
Cultura popular na
idade média
(1987). A narração do mencionado evento histórico
encontra-se no capítulo
30 (Torero, 1994, p. 106), intitulado “Que trata do regresso da viagem a Santos e de grandes
obras que naquele percurso se fizeram”, e compõe parte da autobiografia do Chalaça que se
intercala com o diário para compor o romance. Voltando da cidade de Santos, onde teriam ido
averiguar a situação política, toda a comitiva de D. Pedro começou a sofrer de fortes
indisposições intestinais, provocadas por uma costela de porco fortemente temperada, “cujo
resultado é a evacuação constante de uma matéria fecal mais líquida do que sólida” (Torero,