O que leva à absolvição de Zé Bebelo? Talvez essa não seja a questão mais
relevante a ser feita quando consideramos o julgamento em
Grande sertão: veredas
. A
pergunta mais importante a qual Guimarães Rosa nos conduz é “o que é julgar um
homem?”. Zé Bebelo escapa praticamente ileso das garras daqueles com quem a pouco
guerreava e isso se dá principalmente pela humanidade projetada por si próprio de
maneira peculiar, o que levou seus juízes a uma reflexão acerca da guerra entre homens
que dificilmente é alcançada por uma pessoa de carne e osso. O comportamento
excêntrico de Zé Bebelo e a própria ponderação dos chefes jagunços acerca do
momento trazem diversas reflexões sobre estado de armas em que todos ali se
encontram. A esse comportamento chamamos
misturamento
, um ato deliberado por
parte de Zé Bebelo de se fazer confundir com os chefes que o estão a julgar. A projeção
de si como um outro, de um réu como não sendo um réu, permitiu com que Zé Bebelo
fosse absolvido devido o despertar de um sentimento de alteridade por parte dos
jagunços, com exceção de Hermógenes e Ricardão, quem tiveram o papel de réu mais
do que o próprio Zé Bebelo, como veremos adiante.
Desde os primeiros questionamentos e proposições de Joca Ramiro, Zé Bebelo
tende a não permitir que o seu estado diferenciado em relação a todos os outros no
julgamento se evidencie, pois ele reconhece consciente ou inconscientemente que o ser
humano julga e condena facilmente aqueles de quem ele retira toda e qualquer
humanidade, diferenciando-os de si: “–“O senhor não é do sertão. Não é da terra...” [...]
– “Sou do fogo? Sou do ar? Da terra é é a minhoca – que galinha come e cata:
esgaravata!”” (ROSA, 2008, p. 260). Nesse momento podemos perceber claramente o
discurso de diferenciação feito por Joca Ramiro, buscando deixar clara a oposição
cidade/sertão, ao dizer que Zé Bebelo não é da “terra”. Zé Bebelo prontamente anula tal
oposição, atribuindo à terra um significado primordial, em relação aos quatro elementos,
o que impossibilita uma classificação que o diferencie dos jagunços.
Quando Joca Ramiro declara sua vontade de iniciar o julgamento, Zé Bebelo
prontamente interfere, afirmando que aprova tal decisão: “Aprovaram, os todos, todos.
Até Zé Bebelo mesmo” (ibidem, p. 262). Com isso Zé Bebelo tenta demonstrar que faz
parte das tomadas de decisão, que está no mesmo nível que os jagunços que o julgam,
ou mesmo que o chefe Joca Ramiro. Obviamente a interferência não existe exceto como
tautologia, mas o cuidado de Zé Bebelo não o permite ir além, pelo menos no que diz