Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 899

duas primeiras estrofes do poema
O movimento da espada
de Carlos Drummond de
Andrade (1945), que apresentam a ética guerreira de um ponto de vista semelhante:
“Estamos quites, irmão vingador./Desceu a espada/ E cortou o braço /Cá está ele,
molhado em rubro./ Dói o ombro, mas sobre o ombro/ Tua justiça resplandece./ Já
podes sorrir, tua boca/ Moldar-se em beijo de amor./ Beijo-te, irmão, minha dívida/ Está
paga. /Fizemos as contas, estamos alegres [...]” (ANDRADE, 1995, p. 74)
Um louvor à guerra em que ferimos e somos feridos; palavras de perdão pela carne
sacrificada;
ethos
carregado de
eros
e negação de qualquer impulso de morte. Os versos
acima que fazem parte do poema de Drummond dialogam de diversas maneiras com o
que Sô Candelário e Titão Passos têm a dizer sobre o estado da guerra entre jagunços.
Em primeira instancia, uma proposta mais tradicional e romântica é feita por Sô
Candelário em relação à Zé Bebelo: um duelo de facas. Tal duelo fatalmente colocaria
Zé Bebelo e Sô Candelário nas mesmas circunstâncias. Um duelo, por definição, não
divide, não delimita diferenças – pelo menos um duelo justo. Com a execução da
sentença protocolada por Joca Ramiro, Sô Candelário volta a falar e afirma após ser
questionado que não vê crime algum no que diz respeito a Zé Bebelo: “Veio guerrear,
como nós também” (p. 266); “A gente não é jagunços? A pois: jagunço com jagunço –
aos peitos, papos. Isso é crime?” (ROSA, op. cit., p. 266). A guerra e qualquer ato no
campo de batalha, para Sô Candelário, não configuram um crime. Para ele, crime é
perjúrio e traição. Sô Candelário, contudo, é um caso especial, pois seu amor pela
guerra extrapola até mesmo o poema de Drummond. Ao final de seu discurso, Sô
Candelário muda de idéia e solicita que Zé Bebelo seja solto e que volte para o campo
de batalha, para que dessa forma a guerra continue. Entretanto, um olhar atento pode
perceber mesmo em Sô Candelário uma compreensão das circunstâncias que envolvem
uma guerra que não permite uma execução desonesta e covarde, demonstrada em
primeiro lugar pela proposta do duelo de facas e em segundo lugar pela proposta da
continuação da guerra, provavelmente momento em que Zé Bebelo viria a ser morto de
qualquer forma, mas de maneira justa, à maneira dos jagunços – idealizada por Sô
Candelário. É comum, a despeito de todos os ideais de Direitos Humanos que permeiam
a sociedade da cidade, que a concepção de um réu em um julgamento não o considere
um igual, diferente das implicações das propostas de Sô Candelário.
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