Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 897

respeito ao discurso. De fato, em vezes Zé Bebelo assume uma postura submissa, de
maneira muito sutil e peculiar, chamando Joca Ramiro de “chefe” (ibidem, p. 264),
colocando-se em igualdade com os jagunços nomeando o chefe jagunço como seu
superior. Ele poderia muito bem ter sido menos submisso, assumindo uma atitude de
igual para igual, mas isso não despertaria o sentimento de humanidade nos jagunços,
como veremos adiante.
Um dos momentos mais interessantes do julgamento de Zé Bebelo no que diz
respeito ao
misturamento
é o momento em que ele pede que suas mãos sejam
desamarradas (idem). A simbologia visual das cordas – sendo Zé Bebelo o único a usá-
las – indicaria visualmente o estado diferenciado em que Zé Bebelo se encontrava,
marcando o
separamento
do réu e do júri. Sem as cordas Zé Bebelo visualmente
conseguia se misturar entre os jagunços de Joca Ramiro.
Prestes a ser exilado, um veredito favorável à Zé Bebelo devido às
circunstâncias, mais uma vez ele interfere antes mesmo da decisão ser tomada: “Tenho
uns parentes meus em Goiás...” (ibidem, p. 276). Com isso, juntamente com os outros
jagunços ele consegue participar diretamente – levando em consideração que nos
momentos de decisão a voz não é dada a um réu – das decisões acerca de seu próprio
destino, tarefa que, num julgamento tradicional, cabe unicamente ao juiz e ao júri.
Quando a sentença já está a ser negociada, Zé Bebelo segue com o
misturamento
: “Sou crescido valente, contra homens valentes quis dar o combate.”
(ibidem, p. 278). Nesse trecho o recurso da anáfora marca a igualdade entre Zé Bebelo e
aqueles que ele enfrentou anteriormente e que agora o julgam. Aqui qualquer diferença
entre Zé Bebelo e os jagunços de Joca Ramiro se desfaz pela categoria de “valente” em
que todos se incluem. A valentia entre os jagunços é parâmetro ético dos mais
importantes e Zé Bebelo tem consciência disso, atribuindo a si esse predicado, assim
como aos seus juízes.
Por fim, quando a decisão de exilá-lo já está tomada, Zé Bebelo passa a impor
requisitos para aceitar o veredicto, determinando parâmetros para sua soltura (ibidem, p.
281). Ele pode não ter participado da decisão de modo geral, mas participou de modo
específico, fazendo exigências em relação aos atributos do exílio que iria sofrer. Assim
ele já está, depois de todo o processo, no controle da situação, porque os juízes não o
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