então descobrir quem é esse que é seu duplo, o que ele faz e como vive. Os dois se
aproximam, mas, após encontrá-lo, Tertuliano Máximo Afonso fugirá, tentando evitar
qualquer tipo de relacionamento ou aproximação que possa gerar alguma mudança na
vida de ambos. Mas, como no mundo real é impossível existirem duas pessoas
exatamente iguais convivendo em harmonia, o destino, traçado desde o início pelo
ditado popular “Quem porfia mata caça” (título do filme que dá origem a toda essa
desordem entre as personagens), põe fim a um deles. O fato de os dois se conhecerem
desencadeia a morte de António Claro/Daniel Santa-Clara. Após saber da morte de seu
duplo, o professor de história não hesita em assumir a vida do outro como se fosse sua
própria vida. Dessa forma, é a existência legítima e original do ser Tertuliano Máximo
Afonso que morre. As duas vidas estão tão intimamente ligadas que o fim trágico de um
significa a morte do outro, como ocorre com os duplos criados no período do
Romantismo e estudados por Rank (1939, p. 150).
A trama de
O homem Duplicado
dialoga, pois, com o mito de Anfitrião e, por
extensão, se alicerça na temática do duplo. Acham-se esparsos, pelo texto, indícios que
sugerem a existência de uma segunda história, colocada nos interstícios da primeira, e
que pode ser detectada pelo leitor. Portanto, a narrativa saramaguiana conta duas
histórias: uma evidente e outra secreta; a primeira é visível; a segunda desenvolve-se
paralelamente à primeira e já se encontra nela implícita graças aos índices deixados pelo
narrador ao longo da narrativa. A negação de certos elementos e motivos que o texto
plautino elencava como primordiais nos permite afirmar que, ao retomar o mito de
anfitrião plautino, o texto saramaguiano realiza uma paródia do mesmo.
Considerada por Hutcheon como “uma das formas mais importantes da moderna
auto-reflexividade e uma forma de discurso interartístico” (Hutcheon, 1985, p. 13), a
paródia adquire uma função hermenêutica com inferências culturais e ideológicas e,
mais ainda, apresenta-se como auto-reflexiva, repleta de duplicidades, revelando-se
mais como inversão irônica e jocosa, com convenções múltiplas, do que como uma
imitação ridícula e nostálgica do passado. Segundo a própria Hutcheon temos
a ideia geral da paródia como inscrição de continuidade e mudança. (...) Por
essa definição a paródia é, pois, repetição, mas repetição que inclui diferença;
é imitação com distância crítica, cuja ironia pode beneficiar e prejudicar ao
mesmo tempo (1985, p. 53-54).