Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 757

mim: tive um pouco de prazer enquanto me foi possível estar na presença de
meu esposo, uma única noite! E repentinamente ele se afastou de mim, antes
mesmo do amanhecer. Agora me vejo sozinha, pois que ele está longe, ele a
quem amo acima de tudo que existe. (Plaute, 2001, p. 44)
4
.
(...) não há outra explicação para o facto de subitamente se ter apagado a
admiração nos olhos dela e de no seu lugar ter surgido uma expressão
dolorida, um ar de compassiva lástima, falta saber se de si própria ou do
homem que se encontra sentado na sua frente. (...) Maria da Paz não veio
aqui para que lhe dessem explicações acerca de procedimentos sem pés nem
cabeça, seja qual for a ponta por onde se lhes pegue, veio para saber quanto
terá de pagar para que lhe seja devolvida, se tal é possível ainda, a pequena
felicidade em que imaginou haver vivido nos últimos seis meses (Saramago,
2002, p. 100-101).
No primeiro trecho, percebemos a figura de Alcmena a filosofar e a colocar o
seu papel de mulher em questão. Esse questionamento da personagem plautina expressa
sua altivez e coragem frente às mulheres da época, demonstrando a autoridade que a
personagem possui.
No segundo trecho, por meio da descrição do narrador, há a evocação da figura
da de Maria, mãe de Jesus, na apresentação de Maria da Paz: um ar compassivo de
lástima, uma expressão dolorida, sem saber sobre si e sobre o homem que está à sua
frente. Temos, feitas as devidas ressalvas, a representação paródica da figura de Nossa
Senhora das Dores. Mas, como a personagem expressa uma transgressão frente ao
modelo onomástico, temos, ao invés de um ser passivo, a figura de uma mulher que luta
por suas vontades, por sua felicidade. Assim, nas entrelinhas da interdiscursividade
paródica, temos a construção da figura bíblica da mãe de Jesus, somada a uma força e
virtude que a aproximam de Alcmena.
Outra “personagem” que se desloca da peça plautina para a narrativa
saramaguiana é o Senso Comum
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. Essa personagem representa, no interior mais
profundo da reescrita, uma instância que vai, aos poucos, se desvelando aos olhos do
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No original: Satin parua res est uoluptatum in uita atque in aetate agunda, / praequam quod molestum
est? Ita cuique comparatum est in aetate hominum; / ita di(ui)s est placitum, uoluptatem ut maeror comes
consequatur: / quin incommodi plus malique ilico adsit, boni si optigit quid. / Nam ego id nunc experior
domo atque ipsa de meo scio, cui uoluptas / parumper datast, dum uiri mei mihi potestas uidendi fuit /
noctem unam modo; atque is repente abiit a me hinc ante lucem. / Sola hic mihi nunc uideor, quia ille
hinc abest, / quem ego amo praeter omnis.
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Para não causar dúvidas em nossa análise, faremos uma diferenciação entre o Senso Comum
personagem do romance e o senso comum opinião pública. Para que não confundamos um com outro,
usaremos Senso Comum com letras maiúsculas para nos referirmos à personagem do romance e senso
comum com letras minúsculas para nos referirmos à opinião da maioria.
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