Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 758

leitor mais atento. Desvelemo-la: lembra-nos Aristóteles que um dos elementos básicos
para se compor uma tragédia é o coro, uma das partes quantitativas da tragédia. O coro é
uma categoria formal clássica que tem, na tragédia, o papel de trazer a opinião do
senso
comum
sobre o conflito trágico e também o de ser contraponto do herói. Ele representa a
coletividade tebana na tragédia grega. Por certo que desaparece em certo momento da
história da tragédia, mas reaparece na contemporaneidade por meio da voz. Segundo
Pavis, “em sua forma mais geral, o coro é composto por forças (actantes) não
individualizadas e frequentemente abstratas, que representam os interesses morais ou
políticos superiores” (1999, p. 73). Ou, como expressa o romance,
(...) o papel do senso comum na história de vossa espécie nunca foi além de
aconselhar cautela e caldos de galinha, principalmente nos casos em que a
estupidez já tomou a palavra e ameaça tomar as rédeas da acção (...)
(Saramago, 2002, p. 156).
Consciente de seu papel, o Senso Comum atua junto a Tertuliano Máximo
Afonso sempre que a guarda e o cuidado do professor diminuem. Intervindo várias
vezes ao longo da trama
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, o Senso Comum alerta e vigia o desobediente professor de
história, cumprindo, assim, sua função de trazer à baila a opinião comum dentro da
tragédia.
Desta feita, temos, no romance de Saramago, reescrita palimpsesticamente na
figura do Senso Comum, a personagem que representa o coro da antiga tragédia grega e
que serve como um elemento sibilino e de contraponto dentro da trama. Aos poucos, as
linhas do romancista português nos revelam quem é o Senso Comum e quais as suas
funções na trama narrativa, o de contraponto: ele conversa com o herói e com ele entra
em conflito, já que ambos divergem sempre.
Entretanto, como elemento de renovação do texto saramaguiano, diferentemente
da tragédia, a função fatalista do Senso Comum é posta em xeque no romance. A
própria personagem reconhece que há na contemporaneidade uma superioridade do
desejo sobre a razão. Sendo assim, ele se assume como elemento que, apesar de
conhecedor da verdade, não possui força de persuasão. Dessa forma, o Senso Comum
assume sua impotência diante do destino, da fatalidade. Esse fato evidencia, dentro das
disposições deste romance saramaguiano, que a razão lógica nem sempre impera nas
decisões, questionando, assim, a racionalidade contemporânea. Por conta desse
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Exemplos dessa intervenção podem ser constatados às páginas 109, 121, 222 e 285, dentre outras.
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