A ficcionalização da sua própria biografia, ou o que podemos entender como construção de
sua própria mitobiografia, pode ser percebida desde à referência ao nascimento do autor. O
próprio Botto chega a informar, em diferentes contextos, 1907, 1902, 1897 (FERNANDES,
1998, p.34) e 1892 (
Diário de São Paulo,
24 ago.1947, p.03) como anos de seu nascimento.
A certidão de batismo encontrada na Igreja Paroquial de São Pedro, em Alvega, (Conselho
de Villa de Abrantes), sítio de nascimento do poeta, elucida-nos que a última referência é a
verdadeira.
Outra questão intrigante diz respeito às origens e à formação do poeta. Os pais de Botto
eram de origem humilde; o pai, Francisco Thomaz Botto, trabalhou nas fragatas de Lisboa e
a mãe, Maria Pires Agudo, em 1903, mudou-se com os filhos de Concavada para Lisboa,
especificamente para o bairro popular de Alfama, a fim de acompanhar o marido. Ainda
muito jovem, Botto teria trabalhado em uma livraria, espaço em que teria conhecido Guerra
Junqueiro (1850-1923), Teixeira de Pascoaes (1877-1952), Teixeira Gomes (1860-1941) e
Fernando Pessoa (1888-1935), todos admiradores do talento precoce do poeta. Em crônica
publicada no Brasil, anos mais tarde, em que narra como teria conhecido Guerra Junqueiro
em uma livraria, Botto afirmou que, na ocasião, aos onze anos, estudava na Inglaterra e que
voltara a Lisboa
para visitar a família (KLOBUCKA, 2011, p.76-77).
A respeito de tal processo de ficcionalização, encontrada em muitos artistas modernistas,
esclarece-nos Renata Junqueira (2003, p.42):
...é como se os escritores se tivessem empenhado em envolver a sua
própria vida numa aura mítica que confere às suas expectativas biografias
uma feição romanesca; ou, noutras palavras, é como se eles
se tivessem esforçado por interpretar, na vida real, as personagens fictícias
criadas pela sua escrita literária. Esse procedimento instituirá a figura
moderna do autor-ator.
A colaboração de Botto em várias revistas literárias relevantes como
Athena
,
Contemporânea
e
Presença
permitiu que seu nome ganhasse vulto e, não menos, polêmica.
Tais contribuições renderam-lhe o contato e a estreita amizade com o poeta Fernando
Pessoa (1888-1935), que publicou, em 1922 pela sua editora Olisipo, a segunda edição dos
poemas de Botto, com o título
Canções
. O mesmo Pessoa traduziria, anos mais tarde, as
Canções
de Botto para o inglês.
O escândalo literário provocado pelas
Canções
foi o suporte utilizado por Botto para a
construção de um cenário em que o autor-ator-personagem encena sua mitobiografia. A
edição das
Canções
publicada em 1941 pela Livraria Bertrand oferecenos mais um exemplo
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