Página 399 - Anais do IV Seminário Leituras da Modernidade: entornos da poesia

De acordo com José Régio, a alma (“poeta dramático”) reserva-se dos “entusiasmos do
corpo” ou dos “alvoroços do sentido”. Ao desdobrar-se sobre o poeta lírico, o poeta
dramático posiciona-se como espectador dessa entrega e desse anseio do corpo, no drama
representado pelo sujeito lírico em um palco. Mais que mero espectador, o dramático
compara, analisa e pondera sobre o espetáculo e a realidade: a última é mostrada de maneira
disfórica (“enganosa”, “fria” a “que nós vemos”); a primeira, eufórica (“coisa que flutua”,
desejada, “a que nós temos” na interioridade).
Dissemos no início do texto que António Botto foi estigmatizado pelos críticos por conta da
publicação de seus poemas eróticos; hoje os críticos contemporâneos mais entusiastas
fazem da poesia de Botto uma bandeira. Reiteremos que, em ambos os casos, a poesia de
Botto é observada de maneira restritiva: considera-se o tema erótico. Sugerimos que o
Erotismo não seja apenas tratado como tema, mas como o princípio organizador da poesia
de António Botto. Princípio este que impulsiona o ritmo fragmentado e oscilante dos
versos; princípio que inspira o complexo trabalho com a figuratividade na construção de
imagens; princípio ambivalente que oculta o complexo jogo de ideias a respeito da
composição poética sob a superfície aparentemente simples e ingênua de uma poesia
sentimental. Em seus poemas, António Botto encena o jogo entre o lírico confessional e o
dramático reflexivo, em que o primeiro deve entregar-se impulsivamente aos desejos de
Eros para que o outro, em posição confortável, observe, analise e reflita sobre a vida e a
existência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACHELARD, Gaston. A intuição do instante . Campinas: Verus, 2007.
BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL. Espólio de António Botto (E-12).
Lisboa.
BOTTO, António. Canções. Lisboa: Bertrand, 1941, p.10.
______. Canções. Lisboa: Editorial Presença, 1999.
O português António Botto. Diário de São Paulo, São Paulo, 24 ago. 1947, p.03.
Estou cansado do Classicismo Português – Vem para o Brasil o Maior Poeta Vivo de