desdobramento do sujeito lírico, conforme destaca o crítico e poeta José Régio (1978, p. 60-
63).
Em que se distingue a atitude de António Botto da dos nossos grande
poetas do amor? No seguinte: Se chamarmos lirismo ao princípio
animador de toda arte, – claro que António Botto é um lírico. Lírico pelo
entusiasmo, pela fé, pelo desejo, que
apesar de tudo
o atraem, como
homem, ao amor, à natureza, à vida, e como artista à sua exaltação. (...)
Mas, seja como for, sempre António Botto é um lírico profundamente
perturbado pela coexistência de um poeta dramático. (...) Ora leia-se
alguns dos mais característicos poemas de António
Botto: Em geral, não se revela neles senão um entusiasmo do corpo, – o
tal alvoroço dos sentidos. A carne dá-se e pede avidamente. Mas a alma
reserva-se. E a cabeça espia, interroga, analisa, debruça-se sobre o
coração... É assim que a ironia – essa denunciante suprema das
complicações insinuadas pela inteligência nas ingenuidades do sentimento
e nos simplismos do instinto – corrompe aqueles poemas líricos
aparentemente tão simples, na verdade tão complexos.
Eis uma peculiaridade da poesia de António Botto que é apresentada por Régio:
a construção de um sujeito lírico que se desdobra e expressa tanto os sentimentos e
sensações quanto a reflexão aguda sobre os mesmos elementos. Podemos arriscar a
combinação de tal postura do sujeito lírico com a consciência dos tempos horizontal e
vertical, proposta por Bachelard (2007, p.100) para a construção do “instante poético”:
O instante poético, portanto, é necessariamente complexo: Ele comove,
ele prova – convida, consola, – é espantoso e familiar.m Essencialmente, o
instante poético é a relação harmônica de dois contrários. No instante
apaixonado do poeta, há sempre um pouco de razão; na recusa racional,
resta sempre um pouco da paixão. As antíteses sucessivas agradam ao
poeta. Mas, para o encantamento, para o êxtase, é preciso que as antíteses
se contraiam em ambivalência. Surge, então o instante poético... Quando
menos, o instante poético é a consciência de uma ambivalência. (...) No
instante poético o ser sobe ou desce, sem aceitar o tempo do mundo, que
reduziria a ambivalência à antítese, o simultâneo ao sucessivo.
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