colocando-os em relação com a ideologia. O discurso é para Pêcheux um objeto
essencialmente teórico.
Foucault e Pêcheux: pensamentos inconciliáveis?
Em um texto a ser publicado na segunda edição do livro
Análise do Discurso:
apontamentos para uma história da noção-conceito de formação discursiva
, intitulado
Remontemos de Foucault à Spinoza
6
, Michel Pêcheux ao comparar as teses
foucautianas da
A
arqueologia do saber
com as spinozistas do
Tratado
das autoridades
teológicas e políticas
, “discute sobre a relação entre prática política e prática
universitária”. Ele toca mais diretamente “na relação velada e contraditória que as
teorias da linguagem mantêm com a história”. Para Pêcheux, “o estado atual da
lingüística apresenta certa relação com suas origens, que se exprime persistentemente
em
várias correntes”
. No seu entendimento,
os estudos da linguagem podem ser
recobertos por três grandes correntes:
Uma primeira corrente, que nós podemos qualificar de
lógico-formalista
, tem,
desde as origens da lingüística, como preocupação constante, representar a língua
como um
sistema em funcionamento
(desde os estóicos, que foram os primeiros
gramáticos, passando por aqueles que se chamo no século XVIII de “modistas”, a
gramática de Port-Royal e a gramática clássica). A palavra de ordem teórica dessa
primeira corrente poderia se resumir nos termos de
gramática
, de uma parte, e
universal
de outra parte, o conjunto repousando sobre uma concepção filosófica
segundo a qual a língua é uma estrutura atemporal, garantida, por sua vez, pela
estrutura do
ser
e do
pensamento
.
Uma segunda corrente é aquela da
mudança social na história
, da qual
encontramos os primeiros traços nos estudos teológicos críticos dos textos
sagrados e que se funda sobre os trabalhos de filologia, os trabalhos dos neo-
gramáticos e os da lingüística comparada: a concepção filosófica subjacente a
esta segunda corrente coloca, contrariamente à primeira, que as línguas se
formam, se diferenciam, evoluem e morrem historicamente, como as espécies
vivas: a filologia, pesquisas das filiações, das derivações e desaparecimentos,
parecem constituir a forma clássica dessa segunda tendência. Os trabalhos etno e
sociolingüístico atuais são, de certa forma, seu prolongamento profundamente
transformado.
Ao lado dessas duas correntes principais, pode-se discernir uma terceira
tendência, que eu chamarei de aquela dos
riscos da fala
: encontram-se suas
origens históricas na sofistica e na heurística gregas; vemo-la reaparecer na
disputatio
da Idade Média, que se constituía em uma espécie de esporte verbal no
qual os estudantes punham-se a discernir, principalmente fora do ensino
ex
cathedera
. Reencontramos aspectos dessa tendência, contemporaneamente, nos
trabalhos da escola analítica-saxônica. A filosofia subjacente a essa terceira
corrente concerne o uso da fala como uma “dialogia” onde dois sujeitos se
6
Trata-se da comunicação de Pêcheux no Simpósio do México sobre Discurso Político: teoria e análises,
07-11/11/77. Há uma versão em espanhol em: Toledo, M. Monforte (Ed.) O discurso político. México:
Nueva Imagem, 1980, p. 181-200.