Essa análise do corte saussuriano e de seu recobrimento tendencial preludia a
tese fundamental sobre semântica. O sentido, objeto da semântica, excede o âmbito da
lingüística, ciência da língua(gem). A semântica não deriva de uma abordagem
lingüística. Pêcheux considera que não se pode visar às sistematicidades da língua como
um contínuo de níveis. A semântica não é um nível a mais, homólogo ao fonológico, ao
morfológico ou ao sintático. O laço que atrela as significações de um texto a suas
condições sócio-históricas não é secundário, mas constitutivo das próprias significações.
Pêcheux critica a semântica estrutural pós-saussuriana por ter importado o modelo
fonológico para o domínio do sentido e para as semânticas universais ligadas à teoria
gerativa de Noam Chomsky. Essas semânticas lingüísticas, no entendimento de
Pêcheux, se constituem em lugares de recobrimento do corte saussuriano.
Avançaremos, apoiando-nos sobre grande número de observações contidas
naquilo que denominamos “os clássicos do marxismo”, que as formações
ideológicas assim definidas comportam necessariamente, como um de seus
componentes, uma ou várias
formações discursivas
interligadas, que
determinam
o que pode e deve ser dito
(articulado sob a forma de uma arenga,
de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) a partir
de uma posição dada numa conjuntura dada: o ponto essencial aqui é que
não se
trata apenas da natureza das palavras empregadas, mas também (e, sobretudo)
de construções nas quais essas palavras se combinam
, na medida em que elas
determinam a significação que tomam essas palavras: como apontávamos no
começo, as palavras mudam de sentido segundo as posições ocupadas por
aqueles que as empregam. Podemos agora deixar claro: as palavras “mudam de
sentido” ao passar de uma
formação discursiva
a outra
.
Isso corresponde a dizer
que a semântica, suscetível de descrever cientificamente uma formação
discursiva, assim como as condições de passagem de uma formação a outra, não
saberia se restringir a uma semântica lexical (ou gramatical), mas deve procurar
fundamentalmente dar conta dos
processos
, administrando a organização dos
termos em uma seqüência discursiva, e isso em função das
condições
nas quais
essa seqüência discursiva é produzida. Chamaremos de “semântica discursiva” a
análise científica dos processos característicos de uma formação discursiva, essa
análise que leva em consideração o elo que liga esses processos às condições
nas quais o discurso é produzido (às posições às quais deve ser referido).
(PÊCHEUX, 2007, p. 26, grifos no original).
Pêcheux propõe, então, uma
intervenção epistemológica
nas semânticas
lingüísticas, repensando-as em termos de uma semântica discursiva de base marxista. É
preciso “mudar de terreno” e levar em conta uma nova problemática, uma reformulação
da fala saussuriana, desembaraçada de suas implicações subjetivistas: o
discurso.
Esse
conceito deverá ser pensado à luz do materialismo histórico como um efeito de sentido
entre locutores. É a partir dele que se pode executar a localização de novos objetos,