Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 257

poder, divino ou terrestre, não é ser compreendido, para poder ser questionado, mas de
ser entendido para ser submetido.
E com base no que foi dito acima pode-se afirmar que a linguagem jurídica nasceu com
o propósito da objetividade e clareza, mas paradoxalmente caminhou pelo lado da
ambiguidade ao usar uma língua hermética visando o assujeitamento do homem. É por
esse motivo que cita-se o bordão do Chacrinha: "Eu vim para confundir, não para
explicar!” ou melhor, eu quero ser entendido, mas não quero ser explicado.
O uso excessivo de uma linguagem rebuscada, de aforismos, do latim, pelo jurídico, no
século XVI operou um paradoxo, em que se buscava clareza, objetividade, produziu-se
ambiguidade, ambivalência e insegurança. Isso se deu há mais de cinco séculos, o
interessante é se perguntar por que permanece até hoje.
Palavras mágicas e “sociedades de discurso”
Haroche (1992) deixa claro como seu deu essa passagem do sujeito religioso para o
sujeito jurídico. Da letra (Bíblia) para as letras (leis, códigos); do templo para os
tribunais; de uma época de obscurantismo e de proibições (moral religiosa) para a
libertação do homem (humanismo). Deus onipotente, onisciente e todo-poderoso para
um homem consciente de sua capacidade de chegar ao conhecimento (Aristóteles na
releitura de Averróis)
3
; revelação e fé cega
versus
razão e cálculo.
Até o século XII, o homem está fortemente ligado à aldeia e aprisionado pela magia. É
um homem temeroso de seu futuro, que procura respostas para aquele momento de
transição e de novos “mundos” que está vivendo. É um místico e seus rituais, suas
palavras mágicas estão sempre em comunhão com a natureza, como diz Fourez (1995)
“um carvalho, por exemplo, não era apenas “um carvalho qualquer”, mas ligava-se
sempre a uma história particular”.
Religião e magia se ocupam de uma mesma tarefa, ou seja, religar o homem ao
sobrenatural e é natural que aja uma imbricação entre elas,
Não obstante, várias circunstâncias contribuíam para consolidar a ideia de que a Igreja
era um agente mágico, além de devocional. O antigo culto às fontes, árvores e pedras
não foi abolido, mas modificado, associando um santo a uma divindade pagã e
3
Filósofo espanhol, Abû'l-Wâlid Muhammad ibn Muhammad ibnRushd, conhecido entre os latinos como Averróis,
nasceu em 1126, em Córdova, e morreu em 1198, em Marrocos. Comentou profundamente textos de Platão
(
República
) e Porfírio (
Isagoge
), mas é pelos comentários à obra de Aristóteles que se notabiliza, como profundo
conhecedor que era da sua obra.O objetivo do homem, para Averróis, é o de unir-se a Deus e aos seres divinos. O
conhecimento humano, ao contrário do dos seres divinos, está sujeito ao devir, como tudo no mundo sublunar, e vai
progredindo desde a sensação, passando pela imaginação, até ao intelecto. Disponível em:
>.
1...,247,248,249,250,251,252,253,254,255,256 258,259,260,261,262,263,264,265,266,267,...1290
Powered by FlippingBook