mantida durante toda a narrativa, de maneira que deflagra a desagregação humana nos
sentidos moral, emocional e físico.
No plano da forma essa desagregação se dá por meio de orações curtas,
coordenadas e soltas na página em branco, como se fossem peças de um grande quebra-
cabeça ou anagrama. Tais peças podem ser resumidas em: o ralo, a bunda, o olho e a
perna, objetos que, soltos, remetem o leitor à procura de seu significado, juntamente
com outros dados da narrativa, a fim de juntá-los e formar um todo coerente.
Em relação a essas “peças”, trata-se de uma metonímia, já que elas se
caracterizam como partes que representam um todo, ou seja, há uma relação de
contigüidade qualitativa entre esses elementos e o sentido a que eles remetem.
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A adequação dessas peças forma um ser humano desagregado à procura de um
sentido maior, a exemplo do que acontece em: “”Eu já tenho o olho. Agora que paguei,
tenho a perna. Sei que com o tempo, vou montá-lo. Vou montar o meu pai. Meu pai
Frankenstein. O pai que se foi, antes que eu o tivesse.”” (p. 111)
Trata-se de um sentido do qual a personagem nunca o alcançará, dada a
fragmentação plural que todas as instâncias do texto apresentam. Essa personagem que
vive à procura de sua identidade, tenta se encontrar dentro de suas várias leituras, ao
mesmo tempo em que se estabelece uma intertextualidade entre os vários textos e
autores: Paul Auster (p. 13); Welles (p. 18); Ferréz (p. 18); Valêncio Xavier (p. 21);
Baudelaire (p. 23); Bosch (p. 29); Tom Zé (p. 31); Johnny Bravo (p. 33); Dante
Aleghieri (p. 53), Rubem Fonseca (p. 55); dentre outros. Trata-se de diversos autores
em seus diversos gêneros, fundindo narrativa, poesia, música, pintura, história em
quadrinhos. Uma difusão de gêneros, estabelecendo seus mais diversos sentidos, como
meio de minimizar a intensa fragmentação do texto e, por extensão, a própria
personagem:
Acordo na sala. A engrenagem ainda trabalha. TV a cabo, vinte e quatro horas de
entretenimento. Preparo o café. Como uma fatia de pão de forma. Não passo manteiga.
Ligo o rádio. “Construção”. O Chico cantava como eu penso. Colo o CD. Philip Glass,
Music in twelve parts.
Isso não é uma música, é um organismo. Aprecio a obra como
quem observa uma criatura alienígena. Um ser vivo. Sinto sua respiração, o bater do
coração, seus movimentos. (p. 18)
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Entendemos, assim como Othon Moacir Garcia, que não há uma distinção clara entre metonímia e
sinédoque, por isso, adotamos apenas o termo metonímia.