Para conhecermos objetivamente quem somos, devemos nos ver fora de nós
mesmos, em algo que contenha nossa imagem, mas não faz parte de nós. Temos de
descobrir o interno no externo, assim como Narciso ao se apaixonar por sua imagem na
superfície do lago, uma superfície agindo como uma máscara que só pode nos revelar como
algo distinto de nós mesmos. Senhor e servo do imaginário, o eu se projeta nas imagens em
que se espelha: imaginário da natureza, imaginário do corpo, da mente, e das relações
sociais. (p. 104)
Assim, o narrador luta por sua identidade em um mundo que aliena justamente
porque elimina identidades. O diálogo do eu e do outro reflete uma inquietude
ontológica e, ao mesmo tempo, aponta para uma profunda reflexão sobre a vida. Porém,
ao dialogar apenas consigo mesmo (projetando um outro eu na figura do ralo, como na
imagem de Narciso sobre as águas), a personagem principal se aliena, vive no limiar de
sua vida e não sabe como conquistar sua autoconsciência.
Assim, temos um ser perdido dentro de si mesmo porque não consegue se
aproximar dos outro, perdido nos anagramas da vida, mas com uma enorme vontade de
procura.
Assim, tenta-se encontrar algumas semelhanças entre essa narrativa com a pós-
modernidade e o pós-humano, a fim de tentar compreender sob uma perspectiva
múltipla o mosaico de imagens que a narrativa fragmentada remete o leitor nas suas
várias leituras. Pós-moderno e pós-humano formam conceitos distintos, mas que não se
excluem, visto que o segundo configura-se como uma realidade mais aprofundada no
que concerne ao entendimento do humano como um ser mais miscigenado, híbrido e
hipercomplexo que está emergindo. Por essa razão, situa-se aqui a narrativa
O cheiro do
ralo
como algo entre o pós-moderno e o pós-humano, com ambas características que
marcam essa transição de um ser mais que fragmentado, esquizofrênico e diante de seus
pedaços, não encontra uma outra alternativa a não ser a morte.
Harmonizando elementos distintos em um conflito linguístico, o livro de
Mutarelli realiza uma verdadeira sinfonia artística na qual a liberdade do homem e sua
busca por si mesmo tematizam um quadro asfixiante e sofrível, na qual a imagem da
vida se produz pela coerência e concisão da loucura.