(...) defendo a tese de que a técnica, hoje transmutada em tecnologia, remonta às origens da
constituição do ser humano como ser simbólico, ser de linguagem, de modo que as
tecnologias atuais estão em uma linha de continuidade e representam uma crescente
complexificação de um princípio que já se instalou de saída na instauração do humano. (...)
Falar, cantar, beijar, chorar e rir são funções inseparáveis de um mesmo artifício da
maquinaria simbólica que está instalada em nosso próprio corpo. (...) Dessa primeira
maquinaria, de cuja fabricação não participamos, pois ela foi paradoxalmente instalada em
nós pela natureza, todas as outras maquinarias, técnicas, artifícios ou tecnologias são
prolongamentos, (...) (p. 49)
Nessa linha de raciocínio, a internet já estava inscrita na constituição simbólica
do ser humano, da mesma forma que a linguagem humana, que se caracteriza como uma
espécie de tecnologia cujas extensões começaram com os aparelhos óticos da
Renascença e se ampliaram a partir do séc. XIX, adquirindo proporções gigantescas (p.
51).
Essa mudança de paradigma na concepção do humano integra a noção de
dissolução da subjetividade precedida pela noção de identidade do sujeito cartesiano.
Enquanto o sujeito cartesiano era concebido pelo “penso, logo existo”, de forma a
evidenciar um lugar da verdade, a imagem do eu, segundo Freud, marca o ocultamento
ou o esfacelamento do sujeito em desconstrução, que na narrativa ganha força em sua
estrutura altamente fragmentária.
2. As estruturas fragmentárias em
O cheiro do ralo.
Na narrativa, o ralo remete, ao mesmo tempo, ao seu sentido literal, ligado ao
ralo do banheiro, local onde são jogados os dejetos humanos e o seu sentido conotativo,
ligado ao que existe de mais vil e imundo desse ser, relegado à sua condição de miséria.
Esse significado simbólico do ralo está associado, também, ao fato dessa
personagem principal não possuir nome e, durante todo o tempo da narrativa, se auto-
destruir com atitudes indesejáveis, inúteis e exploradoras, até culminar em sua morte.
Essa auto-destruição começa com o término do relacionamento amoroso e
prossegue com inúmeras atitudes ligadas à exploração humana, no tocante à compra de
peças raras a baixíssimo preço, à ironia com que tratava os clientes e ao fato de não
conseguir se envolver emocionalmente por alguém. A relação rancorosa estabelecida
com exatamente todas as pessoas que adentram sua sala para comprar e vender peças é