O dinamismo da modernidade deriva da separação do tempo e do espaço e de
sua recombinação em formas que permitem o zoneamento tempo-espacial
preciso da vida social; do desencaixe dos sistemas sociais (um fenômeno
intimamente vinculado aos fatores envolvidos na separação tempo-espaço); e
da ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais à luz das contínuas
entradas (
inputs
) de conhecimento afetando as ações de indivíduos e grupos.
(GIDDENS, 1991, pp. 25-6)
.
Desreferencialização, desconstrução do tempo/espaço, reconfiguração da
linguagem romanesca e os outros diversos recursos utilizados no romance em questão,
além de servir para reconstruir semiurgicamente o cotidiano de forma a
dessubstancializá-lo, serve também para que, por linhas diferentes, o narrador busque
algo que até então não teve a possibilidade de encontrar: sua identidade perdida.
Deveras, o romance inteiro de Mutarelli é uma busca por essa identidade do sujeito,
uma identidade que pode ser chamada aqui de “pós-moderna” e até se aproximando do
contexto “pós-humano”.
Segundo Santaella (2007) “a crise do eu” ou a “crise da subjetividade” consiste
em uma crítica e uma rejeição ao sujeito universal, estável e unificada, para ceder lugar
a um sujeito dilacerado, à procura de sua própria identidade:
Enfim, a subjetividade e o conceito de identidade que lhe é aparentado tornaram-se
móveis, múltiplos e, por isso mesmo, cada vez mais problemáticos. Pela perspectiva
pós-moderna, à medida que o ritmo, as dimensões e a complexidade das sociedades
contemporâneas aumentam, a identidade subjetiva vai se tornando cada vez mais frágil
e instável, em um fluxo de euforia intensa, fragmentada e desconexa no qual o sujeito se
desintegrou. (p. 105-6)
O sujeito não se situa mais em um tempo e espaço definidos, em um ponto fixo,
mas sim multiplicado em banco de dados, em mensagens eletrônicas, nos comerciais de
TV. O narrador de
O Cheiro do ralo
não possui essa identidade definida. Tanto que, em
sua ansia de poder defini-la, compra pedaços de seu proprio passado recriado. Ora um
olho, que virá a ser o olho que seu pai perdeu na guerra; e consecutivamente uma perna:
a perna de seu pai. Mas essa identidade, falsa e gasta rapidamente por suas necessidades
interiores, acaba por se tornar uma monstruosidade. O “meu pai Frankenstein” (
Idem
, p.
111), é apenas reflexo linguístico do interior da personagem. Um eu devastado e
tentando se reconfigurar com partes perdidas de um mentiroso passado que tem medo
de ser deflagrado.
Outras vezes, essa busca identitária se direcionará aos objetos sexuais que o
narrador deseja para matar sua sede luxuriosa. A bunda, o sexo depravado com uma das