O cheiro característico do ralo do banheiro também é uma mais que tendência,
uma marca preponderante do enredo, que não é propriamente um enredo linear como
em outras narrativas, mas anunciador de algo diferente e inquietante.
Como uma espécie de anti-herói, a personagem protagonista da história não tem
nome, bem como outras que entram em cena para vender velhos objetos de valor, como
num antiquário. Ele não consegue estabelecer uma relação emocional com ninguém,
apenas se sente atraído pela “bunda” da moça da lanchonete onde passava quase todos
os dias. O contorno dessa personagem incomum, aliada a outros elementos narrativos
desvenda uma linguagem igualmente incomum, marcadamente caótica, reveladora da
desconstrução da própria personagem e do ritmo intenso, “vertiginoso” da vida
moderna. A narrativa é entrecortada pelas diversas imagens da TV nos diversos canais
assistidos pela personagem, invadida pelas inúmeras pessoas anônimas que visitavam o
lugar em busca de dinheiro.
Ela entra.
Ela treme.
Ela não olha em meus olhos.
Olhos que parecem nem se mover.
Nas mãos um porta-jóias. Nele, um bracelete, um par de brincos, um alfinete de gravata,
um
agnus-dei.
Tudo de ouro.
Reclamo do cheiro como se nunca o tivesse sentido.
É do ralo.
Pergunto a procedência, só para poder regatear.
Ela diz ser herança.
Dou o lance, chuto baixo.
Ela aceita de pronto.
Ela treme.
Sei que logo ela vai parar de tremer. (p. 15)
A insinuação contida na expressão “só para poder regatear” deixa implícito que
o objeto foi roubado, bem como a última oração sugere que a moça usará o dinheiro
para comprar drogas – “Sei que logo ela vai parar de tremer”.
Durante o transcorrer da narrativa a linguagem se configura como que
entrecortada pelo tempo notadamente “vertiginoso”, sugerindo algo além do ritmo
acelerado da vida moderna, traduzido nas diversas ações marcadas pelos verbos, em sua
maioria, conjugados no pretérito perfeito.
Segundo Proença Filho (2.001), o discurso pós-moderno se configura a partir da
década de 50, com o desenvolvimento da sociedade de consumo, na qual seus códigos e
normas da moral reguladora do comportamento social ganham outros contornos, de