Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 1249

_ Que coisa? _ quer saber Vera.
_ Ah, sei lá... agora não me lembro _ responde Sílvia.
_ Eu me lembro _ adianta-se Emília. _Ela disse “os pobrema”, “os
fósfro”, “môio ingrês”...
_ É mesmo _ confirma Sílvia _, e a mais engraçada foi: “percurá
os hôme”...
Sílvia ri, e Emília imita.
Irene fica séria por alguns instantes. De repente, vira-se para as
duas moças e diz:
_
Or tu chi se’, che vuoi sedere a scranna / Per giudicar da lungi
mille miglia,/ Com la veduta corta d’ una spanna?
Sílvia, Emília e Vera, tomadas de surpresa, ficam mudas.
_ E então? Não querem rir também do que eu disse, como riram
das coisas que a Eulália falou?
_ Mas você falou em italiano _ diz Vera.
_Se era italiano, por que devíamos rir? Eu não posso achar graça
naquilo que não entendo _ diz Emília.
_ E por que você não entende? _ pergunta Irene.
_ Ora, porque não falo italiano _ responde Emília.
_ E o que é que você fala? _ continua Irene.
_ Eu falo português _ diz Emília, já intrigada.
_ E o que é o italiano para alguém que fala português? _ quer
saber Irene.
As moças param um instante para pensar. É Silvia quem
responde:
_ É outra língua.
_ Uma língua diferente _ completa Vera.
_Muito bem _ diz Irene. _ Vocês não entenderam o verso de
Dante que eu citei a pouco porque era italiano. Mas se eu disser assim: “
No mundo non
me sei parelha, mentre me for’ como me vay, ca já moiro por vos _ e ay!”?
_ Esse quase dá para entender, afinal é espanhol _ diz Sílvia.
_ Não senhora _ corrige Irene. _ É português.
_ Português?! _ espanta-se Emília.
_ Português, sim, só que do século XII, Idade Média _ explica
Irene. E que tal alguma coisa assim: “Estou-me nas tintas se não te apetece uma bola de
Berlim”?
_ Vai me dizer que isso também é português? _ duvida Sílvia.
_ Claro que é, é português falado em Portugal. Significa: “Estou
pouco ligando se você não gosta de comer sonho”.
Vera impacienta-se.
_ Tia, aonde é que você quer chegar?
_ Vocês não entenderam o Dante porque o italiano é diferente do
português. Vocês não entenderam o português do século XII porque ele é diferente do
português de hoje. E não entenderam o português de Portugal porque é diferente do
português do Brasil.
_ E o que isso tem a ver com a fala errada da Eulália? _ pergunta
Emília.
_ A fala da Eulália não é errada: é diferente. É português de uma
classe social diferente da nossa, só isso – explica Irene.
_Para mim é errado _ diz Emília.
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