grandes ilusões!
Noite de Agosto
1922
O poema constrói a imagem de uma mulher se desnudando em frente ao espelho,
a utilização dos gerúndios (adormecendo, desprendendo, soltando) e os advérbios de
modo (preguiçosamente, distraidamente, suavemente) promovem a representação do ato
de se despir e o prolongamento do toque das mãos com o corpo.
Em relação à forma, o poema é construído em verso livre, com rimas misturadas.
Observa-se também a figura de linguagem prosopopeia: “As horas vão adormecendo/
preguiçosamente”; “Volta o luar silente”.
O eu-lírico feminino demonstra uma postura contemplativa diante do espelho
“reflectido no espelho/ que me prende o olhar”, o seu corpo é também objeto de sedução
e desejo, aqui não mais do outro, mas dela própria. Ela coloca-se como Narciso, não
mais no reflexo da água, e sim do espelho.
Os versos evocam a imagem do corpo feminino, suas partes antes silenciadas
ganham voz e vida na poética de Teixeira: “meus cabelos desmanchados”; “e a minha
boca ardente”; “o seio branco erguido”. Certamente a referência ao corpo feminino foi
um forte argumento para a condenação da poetisa, segundo Perrot (2003, p. 15):
A conveniência ordena às mulheres da boa sociedade que sejam
discretas, que dissimulem suas formas com códigos, aliás variáveis
segundo o lugar e o tempo. O peito, as pernas, os tornozelos, a cintura
são, cada qual por sua vez, objeto de censuras que traduzem as
obsessões eróticas de uma época e se inscrevem nas imposições da
moda. Os cabelos, signo supremo da feminilidade, devem ser
disciplinados, cobertos, enchapelados, por vezes cobertos com véu.
Encontramos no poema a recriação do mito de Leda. Segundo a versão clássica
da mitologia grega, Zeus desejando Leda transformou-se em um cisne branco para se
aproximar dela sem provocar repúdio. Durante a narrativa, Leda sente compaixão pelo
cisne que é perseguido por uma águia, seduzida por ele, os dois se relacionam
sexualmente. No poema, Judith evoca Leda, mas ela não é seduzida pelo cisne e sim por
seu próprio corpo: “Meu lindo corpo de Leda/ fascina-me, enamorada/ de todo o meu
próprio encanto”. Ocorre no mito uma troca de posição, uma mudança de valor, se antes
1...,427,428,429,430,431,432,433,434,435,436 438,439,440,441,442,443,444,445