Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 858

Darcy Damasceno para afirmar que “são reduzidas as indicações documentárias” da
obra, predominando a imaginação e o improviso na reconstituição da história.
Mais tarde, elaborando melhor seu pensamento, nos diz:
Como ingrediente, um realismo espontâneo e corriqueiro, mas baseado na intuição da
dinâmica social do Brasil na primeira metade do século XIX. E nisto reside
provavelmente o segredo da sua força e da sua projeção no tempo (CANDIDO, 1993, p.
29).
O ensaio de Candido serviria eficientemente para reconstruirmos uma
leitura de
Memórias
segundo o procedimento hermenêutico. Isso porque o autor faz
todo o resgate da recepção que o romance teve em sua época, através das leituras dos
críticos de então, percorrendo depois as leituras dos críticos do século XX; considera os
catálogos de livrarias do tempo de Manuel Antônio de Almeida, cujas obras revelavam
uma tradição prestigiada de personagens do tipo de Leonardo (pai e filho) e os folhetins
cômicos e satíricos; ao final, compara o romance a
Macunaíma
e
Serafim Ponte
Grande
, concluindo: “Nem é de espantar que só depois do Modernismo encontrasse
finalmente a glória e o favor dos leitores” (CANDIDO, 1993, p. 53). Ou seja, é possível
extrair desse ensaio dados necessários para a reconstrução do horizonte de expectativas
dos possíveis leitores da época, na medida em que correspondia (aliando-se a certa
tradição já existente) e na medida em que antecipava respostas a um horizonte que
começaria a se definir apenas no final do século XIX.
No entendimento de que uma obra é vista enquanto uma resposta a
expectativas de seu tempo,
Memórias de um Sargento de Milícias
, de Manuel Antônio
de Almeida, merece especial atenção. Considerando o modo como se enquadra na
tradição romântica e os vazios e indeterminações espaço-temporais da narrativa, vemos
que a imprecisão nas referências ao contexto histórico (“Era no
tempo do rei
”, é a
marcação temporal inicial) é elemento constitutivo de sua estrutura, sendo responsável
por seu tom burlesco e folclórico. O preenchimento desses vazios torna-se uma
atividade muito mais ligada à efervescência da imaginação do leitor, do que a uma
busca intelectual pelo resgate do referente implícito. Assim, seus vazios são aceitos
como peculiaridade estética. Por valer-se da tradição das narrativas populares,
negligenciada pela maioria dos românticos, Manuel Antônio de Almeida pinta um Rio
de Janeiro arquetípico, universalizante, e por isso eficiente enquanto um modo de
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