Julgo que seria demais dispendioso e desnecessário reconstruir com os
alunos todas as referências indeterminadas do romance, com risco de tolher a fruição
estética. Afinal, não parece haver tanta distância entre o pequeno povoado da corte
carioca – revestido de dinâmicas de poder, subserviência e provincianismo – e as
comunidades medievais representadas em certas narrativas vulgarizadas, aproximação
sustentada inclusive pela observação de Antonio Candido sobre a “universalidade quase
folclórica” que emana de
Memórias
:
tomemos com reserva a idéia de que as
Memórias
são um panorama documentário do
Brasil joanino; e depois de ter surgido que são antes a sua anatomia espectral, muito
mais totalizadora, não pensemos nada e deixemo-nos embalar por essa fábula realista
composta em tempo de
allegro vivace.
(CANDIDO, 1993, p. 54)
Essa experiência, retomada após a leitura de alguns ensaios de Hans
Robert Jauss e Wolfgang Iser, suscita algumas questões a serem trabalhadas ao longo
deste artigo:
1) Em que medida o conhecimento do leitor se projeta na narrativa,
moldando seu sentido?
2) Por outro lado, de que forma os esquemas textuais têm força de
controle sobre essa introjeção do leitor?
3) Ao mesmo tempo, como os vazios ou pontos de indeterminação da
narrativa contribuem nesse preenchimento subjetivo, sustentando as
múltiplas concretizações do sentido?
4) Os vazios do texto resultam para o leitor em dificuldade de
compreensão ou apenas abrem caminho para a variabilidade dos modos
de recepção, atualizando o texto a cada época?
5) E por fim, como deve o professor considerar o confronto entre a
realidade representada na obra e a imagem projetada pelos jovens
leitores, quando ocupa de fato um papel de mediador da interação entre
texto e leitor?
Sem pretender esgotar essas questões, procuraremos analisar o primeiro
capítulo de
Memórias de um Sargento de Milícias
à luz de dois ensaios de Jauss e um de
Iser, presentes em Lima (1979).
Conceitos fundamentais em Jauss
