Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 861

“informando ou desviando a nossa atenção para um traço da sociedade” (CANDIDO,
1993, p. 34), não o faz igualmente para o cenário e a localização cronológica.
É admissível que modelos eruditos tenham influído em sua elaboração; mas o que
parece predominar no livro é o
dinamismo
próprio dos astuciosos de história popular.
Por isso, Mário de Andrade estava certo ao dizer que nas
Memórias
não há realismo em
sentido moderno; o que nelas se acha é algo mais
vasto e intemporal
, próprio da
comicidade popularesca. (CANDIDO, 1993,
p. 26)
No que diz respeito a uma leitura contemporânea, sobretudo feita por
jovens desprovidos naturalmente do repertório histórico, concordaríamos com Jauss que
a hermenêutica literária tem por tarefa interpretar a relação de tensão entre texto e
atualidade como um processo, no qual o diálogo entre autor, leitor e novo autor refaz a
distância temporal no vai-e-vem de pergunta e resposta, entre resposta original,
pergunta atual e nova solução, concretizando-se o sentido sempre doutro modo e, por
isso, sempre mais rico. (1979, p. 56)
Por essa razão, esses vazios da narrativa de
Memórias
, exemplares no
primeiro capítulo, mas permeados por todo o romance – e em grande medida motivo de
discussão no ensaio de Candido –, não constituem um fator que dificulte a leitura ou a
ideação do receptor, mas, pelo contrário, são produtivos para o processo comunicativo
texto-leitor. Iser defende esse aspecto sobre os textos literários com dois argumentos:
(1)
“A dificuldade de ideação, ao contrário, possibilita a variabilidade das formas
definitivas de sentido do texto idêntico.
(2)
[...] O dificultar a formação de imagens nos
compele a abandonar outra vez as imagens formadas, de modo que somos levados a
uma posição contrária a nossos próprios produtos e assim a criar imagens que não
seriam concebíveis dentro de nossa determinação habitual.” (1979, p. 112-113)
A indeterminação temporal e espacial de
Memórias
é própria de sua
natureza popularesca, o que mantém o diálogo com as fábulas e narrativas orais, cujo
elemento (o vazio) exerce função análoga. Na conclusão de Candido, “A natureza
popular das
Memórias de um sargento de milícias
é um dos fatores do seu alcance geral
e, portanto, da eficiência e durabilidade com que atua sobre a imaginação dos leitores”
(CANDIDO, 1993, p. 36). O mesmo crítico enxerga a introdução (“Era no tempo do
rei”) como uma manifestação de cunho arquetípico. E completa:
Ao mesmo universo pertenceria a constelação de fadas boas (Padrinho e Madrinha) e a
espécie de fada agourenta que é a Vizinha, todos cercando o berço do menino e
servindo aos desígnios da sorte, a "sina" invocada mais de uma vez no curso da
narrativa. (CANDIDO, 1993, p. 27)
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