CATÁLOGO DE PERIÓDICOS DO "CANTO LIBERTÁRIO"
Coordenadora geral do projeto:
Profa. Dra. Zélia Lopes da Silva
Equipe de trabalho:
Bolsistas:
Késia dos Anjos Rocha (2006)
Joice da Silva Serafim (2007)
Alunos do curso de História da UNESP, campus de Assis, que fizeram estágio no CEDAP, a partir de 2004.
Técnicos envolvidos:
Marlene de Souza Gasque (historiógrafa – responsável pelo acompanhamento técnico do trabalho dos estagiários e bolsistas na elaboração dos verbetes).
Izabel ManoNeme (orientação da parte de conservação dos jornais).
Elizabeth Hernandez Oliveira (elaboração de alguns verbetes).
Apoio financeiro: PROEX
APRESENTAÇÃO
É com satisfação que apresento ao público o Catálogo de periódicos da “Coleção Canto Libertário” que pertence ao acervo do Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa – CEDAP, Unidade Auxiliar da FCL/Assis. Os periódicos aludidos foram doados, em 1992, pelo Centro de Memória Social, — na ocasião, dirigido por Jaime Cubero — e pelo historiador do movimento anarquista, Edgard Rodrigues (Norte, 1993, p. 91).
A “Coleção” constitui-se de documentos produzidos por correntes de pensamento libertário, nacionais e internacionais que, desde 2004, vem sendo organizada e apresentada, sumariamente, sob a forma de verbetes, por alunos estagiários do curso de História, e por bolsistas da UNESP, campus de Assis. A partir de 2006, sob minha responsabilidade e supervisão, esse projeto foi redimensionado, visando à restauração de parte desse acervo para tornar possível a continuidade de elaboração dos verbetes, e disponibilizá-los, on line, ao leitor e ao pesquisador.
Antes de situar a estrutura dessa publicação, convém esclarecer o sentido do termo “coleção” Segundo K. Pomian, uma “coleção” sempre tem um caráter heteróclito. Porém, em sua leitura, os utensílios, os instrumentos e os fatos recolhidos numa coleção ou num museu não têm nenhuma utilidade no dia a dia dos homens. Sua única função é a de se oferecerem ao olhar. Entende o autor que “uma “coleção” é qualquer conjunto de objetos naturais ou artificiais, mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito das atividades econômicas, sujeitos a uma proteção especial num local fechado preparado pare esse fim, e expostos ao olhar público. Esta definição tem caráter descritivo. E supõe as condições que um conjunto de objetos deve satisfazer para que seja considerada uma “coleção”” (Pomian, 1984, p. 51).
Pomian exclui dessa categorização todas as exposições que são apenas momentos do processo de circulação ou da produção dos bens materiais, e todas as acumulações de objetos, formadas por acaso e, também, aqueles que não estão expostos ao olhar (os tesouros escondidos), qualquer que seja o seu caráter. Essas condições são satisfeitas não só pelos museus e pelas coleções particulares, mas também pela maior parte das bibliotecas e dos arquivos (o que não se aplica aos depósitos oficiais).
Ultrapassando a dimensão descritiva, essas coleções são, igualmente, consideradas objetos preciosos pela sua natureza de semióforos (Chauí, 2000) que ligam o visível ao invisível. Como lembra Marilena Chauí, seu valor não é medido por sua materialidade e sim por sua força simbólica. Ou seja, constituem-se de objetos ou lugares que simbolizam um lugar sagrado ou relíquia sagrada. Um semióforo é, pois, “um acontecimento, um animal, um objeto, uma pessoa ou uma instituição retirados do circuito de uso ou sem utilidade direta e imediata na vida cotidiana porque são coisas providas de significação ou de valor simbólico. São capazes de relacionar o visível e o invisível, seja no espaço ou no tempo, pois o invisível pode ser o sagrado ou o passado ou o futuro distante e expostos à visibilidade. É nessa exposição que realizam sua significação e sua existência. São locais onde toda a sociedade possa comunicar-se celebrando algo comum a todos e que conserva e assegura o sentimento de comunhão e de unidade” (Idem, p. 12).
Pensar, pois, o sentido da conservação e guarda desses periódicos significa reafirmar a importância que esses bens tiveram e têm para segmentos da sociedade e, também, sua inserção em processo bem mais amplo que remetem à História e à memória do próprio país. Esses materiais se constituem em restos de um mundo que não existe mais e que só pode ser relembrado pela preservação de sua memória, mesmo que arquivística (Nora, 1993). Assim, o trabalho de preservação desse acervo apresenta-se fundamental por propiciar as condições materiais para recuperar a constituição do imaginário desse grupo social que, a partir de suas publicações que agregam posições políticas, sentimentos e emoções de inúmeros indivíduos, se inscreve muito além das disputas do mundo do trabalho. Ao produzirem uma imprensa própria, esses protagonistas recusaram o papel destinado aos trabalhadores, de sujeitos sem voz e sem passado e, os inscreveram no campo da “memória”, em sua dimensão plural. Tais ações provocaram a implosão do sentido homogêneo de memória coletiva e, igualmente, a recusa de inscrição de suas vivências, numa dimensão circunscrita ao que Michael Pollak (1989) qualifica de memória subterrânea.
No Brasil, assim como na Europa e nas Américas, os anarquistas fundaram periódicos com o objetivo de utilizá-los como meio de difusão de seu ideal político, assim como para encorajar, através de suas publicações, a luta do proletariado. Procurando influenciar parte da população, o editor de um periódico de esquerda devia provavelmente escolher, com um objetivo definido e dentro de uma ótica precisa, os avisos e notícias a serem impressos.
As atividades e matérias que concerniam às manifestações operárias no mundo inteiro apareciam ao lado de notícias de acontecimentos de outros estados do Brasil. Os periódicos eram também distribuídos nos lugares mais distantes, constituindo, muitas vezes e desta maneira, o único meio de conhecimento e de consumo do qual dispunham os trabalhadores, fossem eles imigrantes ou brasileiros. Era uma imprensa em sintonia com a linguagem do povo.
O acervo do CEDAP abriga parte dessa documentação que foi denominada para efeito de organização de Coleção Canto Libertário, o que pode ser visto no Organograma abaixo:
COLEÇÃO CANTO LIBERTÁRIO (1906-1995) |
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Peridódicos Nacionais Revistas (2 títulos) |
Periódicos Internacionais Revistas (3 títulos) |
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Peridódicos Nacionais Jornais (53 títulos) |
Periódicos Internacionais Jornais (39 títulos) |
A “Coleção” constitui-se de documentos produzidos por correntes do pensamento libertário, nacionais e internacionais, compostos de: jornais, revistas, boletins informativos e outras publicações periódicas. Datam das duas primeiras décadas do século XX até os anos noventa. A organização, bem como a melhor sistematização desse acervo permite que o pesquisador ou qualquer pessoa interessada tenham acesso mais fácil às informações de que possam necessitar.
No âmbito dessa coleção, entre os títulos nacionais, destacam-se alguns periódicos de maior relevância, pelo papel político ocupado, em diferentes momentos da história do país, a saber: A Plebe e Inimigo do Rei. No CEDAP, embora existam periódicos do início do século XX, alguns títulos nacionais mais expressivos são posteriores aos anos trinta. Dentre eles, destacam-se A Lanterna (São Paulo; 1933-1935), Ação Direta (Rio de Janeiro; 1946-1959), A Plebe (São Paulo; 1947-1951) e o Inimigo do Rei (Porto Alegre; 1977-1988). Os periódicos internacionais também são compostos de jornais e revistas. Veicularam as produções de militantes libertários de alguns países do Continente Europeu, como: Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Itália e, também, das Américas, notadamente, das capitais: Buenos Aires, México, Caracas e New York. Algumas dessas publicações tiveram uma longa duração, como é o caso de Tierra Y Liberdad (México – 1949-1985) e Solidariedad Obrera (Paris - 1953-1966).
No decurso desses cem anos, os anarquistas do Brasil sofreram inúmeros revezes. A corrente libertária chegou a contar com apoio de quatro diários, dezenas de semanários, mensários, bimensários e periódicos; atravessou fases sem dispor de nenhum porta-voz e sem poder reunir seus militantes. Em decorrência dessas dificuldades, suas publicações, em regra, tinham curtíssima duração, o que não reduzia sua importância no contexto de lutas e reivindicações dos diversos segmentos sociais aos quais representavam. Caracterizados por uma postura crítica, atuaram como símbolos da resistência e voz dos operários, intelectuais e estudantes que questionavam as ações do regime capitalista. É esse legado que será preservado, pois as medidas de proteção do patrimônio são voltadas para a identidade do indivíduo e da sociedade, que é também pensada sob os preceitos da duração da memória em sua dimensão plural. Isso significa que o trabalho desenvolvido apresenta-se fundamental para a constituição do imaginário de indivíduos e grupos sociais que, a partir de suas vivências, modelaram o perfil do país daquele período.
A Coleção Canto Libertário permite, ainda, que o pesquisador entre em contato com a cultura, os valores e o cotidiano de homens e mulheres de períodos marcados por densos conflitos sociais e políticos ao longo do século XX, no Brasil e no exterior. No caso brasileiro, e por essas características, os periódicos que compõem essa coleção tornaram-se decisivos à compreensão da história e da memória republicanas do país, no decurso do século mencionado.
A organização dessa documentação foi estruturada a partir de uma ficha de referência contendo: título, endereço de redação ou administração, cidade da publicação, periodicidade, número de páginas, datas limites dos exemplares disponíveis no acervo e sua quantidade, nome dos redatores ou responsáveis, indicação da presença/ausência de ilustrações, colaboradores, ademais da caracterização e descrição. Observe-se que, ao lado de informações provenientes do jornal ou revista, houve a preocupação de fornecer uma idéia, ainda que superficial, acerca da natureza da publicação. Deve-se considerar, ainda, que esse valoroso trabalho é uma breve aproximação do potencial desse material, sem perder de vista que os verbetes, mesmo que sob supervisão, foram realizados por alunos da Graduação do curso de História e não por especialistas.
Referências Bibliográficas
CHAUI, M. A Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: fundação Perseu Abramo, 2000.
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória política federal de preservação no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/MINC-IPHAN, 2005.
GINZBURG, Carlo. Conversa com Orion. Trabalho, Cultura e Poder. UFSC: Revista de Pós-Graduação em História, vol. 4, 2005.
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários - Nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Página Aberta Ltda, 1991.
LUSTOSA, Isabel. O nascimento da imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
NORA, Pierre. Entre memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: Revista do Programa de Pós Graduação em História, n° 10, 1993.
NORTE, Sergio Queiroz. Canto libertário: fontes para uma história do anarquismo. Pós História. Revista de Pós-Graduação em História: Universidade Estadual Paulista, v. 1, p. 91/94, 1993.
PAGANOTTO, Waldir. Imprensa Alternativa e Anarquismo: “O INIMIGO DO REI” (1977-1988) – Dissertação de Mestrado, UNESP, Assis, 1997.
POLLAK, Michael – Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: FGV, vol. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.
POMIAN, K. COLECÇÃO. In: Enciclopédia Einaudi. Porto: Imprensa nacional – Casa da Moeda, 1984, p. 51-86.
Assis, 10 de agosto de 2007
Profª Drª Zélia Lopes da Silva
CATÁLOGO DE PERIÓDICOS DO "CANTO LIBERTÁRIO"