A escrita historiográfica, seus protocolos e fontes - page 158

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mentalidades, como aquelas relacionadas à religiosidade, etnicidade, gênero, entre
outras.
1 Necrópoles: espaços de vida e morte
Uma das tipologias de monumentos – esse sinal do passado – pensada pelo
historiador francês Jacques Le Goff foi o monumento funerário. Segundo Le Goff “um
monumento funerário [é] destinado a perpetuar a recordação de uma pessoa no
domínio em que a memória é particularmente valorizada: a morte” (LE GOFF, 1984,
p.95).
A morte, fenômeno natural que acontece a todos e em todas as partes do
mundo, é a única certeza que temos na vida, ou seja, a vida é limitada pela ocorrência
da morte. No entanto, os seres humanos ao longo dos espaços e dos tempos
perceberam e lidaram com a morte de formas diferentes. Ao longo dos séculos as
formas de perceber a morte, o luto e os mortos foram sendo transformadas em alguns
aspectos, mas, também, permaneceram contínuas em outros, como observou Phillipé
Ariès em obra basilar sobre as concepções de morte e luto no ocidente (ARIÈS, 2003).
O entendimento sobre morte na sociedade ocidental judaico-cristã está fortemente
atrelado à prática do sepultamento, pois a cremação, desde a difusão do cristianismo,
tornou-se mais comum nas sociedades orientais. Desse modo as sepulturas e os
cemitérios tiveram e ainda tem importância capital no imaginário ocidental sobre a
morte.
Phillipe Ariès demonstra que as necrópoles foram ressignificadas ao longo dos
tempos, desse modo, na Antiguidade os sepultamentos aconteciam fora do espaço
urbanizado, o oposto, portanto, do que se dava no período medieval, pois os
sepultamentos, nesse período, passaram a acontecer na urbe. Essa mudança operou-
se, segundo Ariès, pois muitos santos mártires tiveram seus corpos, restos mortais ou
relíquias sepultadas em igrejas com o intuito, de acordo com a crença, de proteger as
cidades, promovendo, consequentemente, o desejo das pessoas de serem sepultadas
mais próximas possíveis dos santos mártires, o que fez com que cemitério e igreja se
transformassem em uma única coisa. Com o advento de correntes higienistas e
medidas sanitárias modernas por volta do século XVIII, e recrudescido no século XIX,
os cemitérios foram, paulatinamente, retirados das igrejas e mandados para fora das
cidades novamente.
É interessante pensarmos que as sociedades se relacionam e se relacionaram
de formas diversificadas com esses espaços cemiteriais. Um exemplo bastante
oportuno de tal constatação nos é apresentado pelo historiador João José Reis e tem
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