Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 770

O processo criativo usado por Eco no romance em questão parece ser o mesmo.
Porém, ao invés de discutir grandes temas da filosofia européia e de usar a semiologia
para desvendar mistérios e assassinatos como fez em outras obras, em
A misteriosa
chama da rainha Loana
o escritor discute sobre seu próprio eu, usando os signos para
resgatar suas memórias e, consequentemente, pôr para fora os ecos da memória da
literatura impregnados em sua mente, como observa em sua fala (apud BREDARIDA),
durante entrevista ao Jornal
Le Monde
:
Neste livro, eu retorno ao meu passado e ao da minha geração, que cresceu durante o
regime fascista. Esta memória baseia-se em imagens, músicas, em objetos, e não apenas
em palavras. [...]
Mas eu tomei cuidado para que as imagens nunca tomem o lugar de uma descrição
verbal. Elas servem para evidenciar uma prova, para demonstrar que não estou
exagerando quando descrevo a propaganda fascista, por exemplo.
Elas têm também uma “função de etc.”: eu mostro a capa de um livro antigo, e a
memória dos leitores, imediatamente estimulada por esta referência, entra em expansão.
O escritor afirma ainda na entrevista que tinha, acima de tudo, a necessidade de
contar a sua infância. Segundo ele, a Itália nunca se cansou, desde o final da guerra, de
reconstituir o seu passado, de fazer o seu exame de consciência.
Desta forma, a utilização do processo interdiscursivo constitui uma das
principais chaves para a construção deste romance. Do início ao fim da obra, o autor faz
uso das diversas modalidades em que se apresenta o procedimento intertextual e
interdiscursivo em literatura. O romance dialoga o tempo todo com outras obras e
outros autores, confirmando a observação de Antoine Compagnon de que
escrever, pois, é sempre reescrever, não difere de citar. A citação, graças à confusão
metonímica a que preside, é leitura e escrita, une o ato de leitura ao de escrita. Ler ou
escrever é realizar um ato de citação. A citação representa a prática primeira do texto, o
fundamento da leitura e da escrita: citar é repetir o gesto arcaico do recortar-colar, a
experiência original do papel, antes que ele seja a superfície de inscrição da letra, o
suporte do texto manuscrito ou impresso, uma forma de significação e da comunicação
lingüística. (1996, p. 31)
Além da referência a autores, poetas e figuras históricas, como, por exemplo,
Napoleão Bonaparte, Eco utiliza várias imagens, ilustrações e citações em várias
línguas, às vezes curtas, outras longas, extraídas em grande parte de autores clássicos,
como Julio Verne e Dante Alighieri.
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