Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 720

Nota-se que, nessa frase, a criança aglutina e contrai a preposição “com” e o artigo “o”
resultando na forma
cu
, aproximando a escrita de uma fala informal. A escrita também
apresenta repetições
e a Chapeuzinho Vermelho e a Chapeuzinho
e omissões
eles viven
para se
(eles viveram felizes para sempre). Essas marcas são provocadas pelo enorme
esforço que a criança faz ao elaborar o discurso escrito aproximando-o do sistema
linguístico convencional, dotado de sentido. No entanto, a produção textual, desse
aluno, apresenta uma profunda elaboração linguística, revelando que, nesta altura, a
criança já possui um conhecimento abrangente quanto ao sistema alfabético e
compreendeu a estrutura da produção de textos escritos. Sendo assim, o enfoque dessa
análise dar-se-á sobre a questão da constituição do sentido e sobre a elaboração do fluir
do significado, pois, aqui, encontra-se o processo dialógico de elaboração da escrita.
A criança desenvolve a escrita levando em conta o seu interlocutor, por isso,
organiza o texto com tempos verbais, os quais caracterizam uma introdução (marcada
de início por
era uma vez
), o desenvolvimento das ações marcando com advérbios de
tempo (
depois
) e o desfecho da história (
eles viveram para sempre
). A interlocução se
dá no desenrolar da escritura. Assim, o aluno assume diferentes funções em seu texto,
ele exerce a função de narrador, dos personagens, de escritor e de leitor. Tomando o
lugar de escritora, a criança assume o modo como o personagem concebe o outro,
atribuindo sua visão de mundo. Isso pode ser percebido quando o aluno, enquanto
escritor, dá voz à mãe de Chapeuzinho, que questiona a filha (
porque você demoro
(?)).
Desse modo, a criança demonstra suas conjecturas e as projeções dos seus pensamentos;
seu interdiscurso ecoa na fala das personagens.
No texto produzido pela criança, pode-se notar uma gama de formulações que
marcam as passagens da história; são utilizadas muitas conjunções aditivas para ligar
essas situações. Apesar de o texto ser, em sua maioria, a reprodução da história original,
percebe-se que a criança inova o texto, instaurando situações interlocutivas que, a seu
ver, são importantes e configuram o seu texto. Assumir a posição de escritor (sujeito-
autor) é permitir que situações do interdiscurso surjam no texto.
Na leitura desse texto, encontram-se aspectos provocantes, na medida em que a
materialidade significante permite entrever o movimento intradiscursivo feito pela
criança a partir das imagens projetadas nos personagens, as interferências do discurso de
outrem, o interdiscurso constituindo a materialidade linguística. Essas são algumas das
evidências do trabalho mental externalizado na narrativa da criança. Percebe-se que a
criança dá um novo fim para o Lobo Mau: o antagonista da narrativa é jogado aos
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