absolutamente contrários: em um caso, trata-se de uma transformação que se realiza
aumentando a entropia do livro; no outro, diminuindo-a.
Certamente, Foucault exerce em seu texto o direito à réplica; coloca-se, pois, em
uma posição responsiva diante do modo de elaboração das críticas realizadas pelos
críticos, demonstrando o sentimento de ter sido injustiçado pelo primeiro e
ficcionalmente aclamado pelo segundo. São os riscos que os críticos correm por criticar
obras de autores quando vivos: o direito que lhes dão de contestar a crítica feita.
Existem críticas às quais se responde e aquelas às quais se replica. (...) Eu me pergunto
se não há ali uma incômoda reação de defesa: teme-se, certamente, admitir que essas
críticas têm sua pertinência em relação ao livro que elas atacam; teme-se admitir que,
de uma certa maneira, o livro as produziu e as sustentou; mas teme-se, sobretudo,
reconhecer que elas talvez nada mais sejam que uma certa chave crítica, uma certa
maneira de codificar e de transcrever um livro, uma transformação espantosamente
sistemática. (FOUCAULT 2006, p. 316)
Foucault demonstra, em primeira instância, como o professor universitário, Sr.
Pelorson, aumentou a entropia ao criticar sua obra
História da Loucura
(1978)
6
por
meio de um certo número de transformações locais no texto: i)
relaciona a obra a uma
teoria geral com a qual ela não se relaciona
; ii)
apaga os limites do tema tratado
; iii)
confunde os índices de verificação
; iv)
apaga os níveis de análise
; v)
pratica um recorte
arbitrário
; vi)
introduz sua própria incompetência
. Com isso, Foucault evidencia, por
que a crítica do professor encontra-se submetida de modo eficaz às exigências de uma
ação exclusiva em seu gênero: substituir a obra, tal como ela existe, por seu próprio
método, seu próprio objeto, seus próprios limites, suas próprias verdades e seus próprios
erros. (FOUCAULT
op
.
cit
., p. 318-321) A réplica da crítica apresenta-se sobremaneira
como a crítica da crítica, num movimento que reflete e refrata o dizer crítico do
outro
na
consciência do eu, esta arena ideológica de lutas de/com palavras onde o embate
dialógico pela legitimação de um dizer institucionalizado constitui o tema nodal do
saber-fazer crítica e do saber-fazer réplica.
A segunda crítica é destinada ao jornalista do
The New York Times Book Review
,
George Steiner, que, ignorando a leitura de
As palavras e as coisas
, estabelece as
seguintes transformações locais no livro: i)
inversão do pró e contra
; ii)
introdução de
elementos estranhos ao livro
; iii)
a evocação de autores não aclamados no livro
; iv)
substituição de autores sem o conhecimento de causa
; v)
referência a obras que
6
Versão francesa:
Folie et Déraison. Histoire de la Folie à l´Âge Classique
. Paris, Plon, 1961.